PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL
CURSO DE MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
Ana Lúcia Suárez Maciel
PLURALISMO NO SERVIÇO SOCIAL:
UMA ABORDAGEM DE COMPLEXIDADE?
ORIENTADORA: Profª. Dra. Valdemarina Bidone de Azevedo e Souza
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................ 011
ABSTRACT............................................................................................ 015
1. CONTEXTUALIZAÇÃO DA TEMÁTICA ................................... 019
1.1. Tendências na Formação para o Serviço Social - A indicação da Problemática do Estudo 020 1.2. Importância do Estudo, Hipóteses e Objetivos ........................042
2. APROXIMAÇÕES COM O REAL ................................................ 046
2.1. Concepção da Categoria Central............................................ 046
2.2. Aspectos Metodológicos........................................................... 064
2.3. Entendimento de Formação Profissional dos Sujeitos da Pesquisa....... 079
2.4. Desafios do Novo Projeto de Formação Profissional .............. 117
3. CONTRIBUIÇÃO DO PLURALISMO NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL - UMA PROPOSIÇÃO NA PERSPECTIVA DE COMPLEXIDADE ................................................................... 134
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................. 143
ANEXOS ............................................................................ ..................... 149
Anexo nº1: ROTEIRO PARA ENTREVISTAS ............................. Anexo
nº2: ROTEIRO DE ANÁLISE DE ENTREVISTA ............
Anexo nº3: RELATÓRIO FINAL DO II SEMINÁRIO ESTADUAL SOBRE FORMAÇÃO PROFISSIONAL: "UM NOVO CURRÍCULO PARA O SERVIÇO SOCIAL" ............
Anexo nº4: RELATÓRIO DA V OFICINA REGIONAL DA ABESS - REGIÃO SUL
Anexo nº5: PROPOSTA NACIONAL DE CURRÍCULO MÍNIMO PARA O CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
RESUMO
A crescente complexidade da realidade, que circunda todas as esferas sociais, tem indicado a necessidade de pensar/agir sob uma nova perspectiva, em que possa ser considerada a existência de uma multiplicidade de elementos em detrimento da unidade e, portanto, da certeza absoluta que, por muito tempo, vigorou nas esferas da produção de conhecimento. Deste modo, tem-se colocado como desafio a busca por conhecimentos que promovam a articulação entre as diferentes áreas do saber e que estabeleçam os nexos entre o uno, o múltiplo, o diverso e o complexo. Aliado a este desafio, a ciência convive com conhecimentos fragmentados e, concomitantemente, com a instauração de propostas de concepções complementares, concorrentes e antagônicas, na busca pela ampliação das fronteiras entre os saberes.
No que se refere ao Serviço Social, vislumbra-se diferentes posicionamentos, teóricos e práticos, acerca da sua inserção na realidade. A existência desta diversidade aponta para a necessidade de reflexão das suas repercussões para a profissão. Um dos indicadores desta reflexão foi a revisão da concepção de formação profissional, que indicou as tensões/possibilidades para concretização do projeto da profissão em razão destes diferentes posicionamentos e da necessidade de discussão dos mesmos.
Este estudo aborda, de forma qualitativa, a configuração do pluralismo na formação profissional a partir da realidade vivenciada por quatro Unidades de Ensino de Serviço Social do Rio Grande do Sul, objetivando: -
Para realizá-lo, foram construídas categorias que permitiram uma aproximação com relação à temática e centradas na concepção de formação, na direção social e no entendimento de pluralismo.
Estas categorias foram construídas a partir do referencial oriundo do Paradigma do Pensamento Complexo, preconizado por Edgar Morin, e são: ordem/desordem, uno/diverso e uno/complexo. Estas categorias foram pré-estabelecidas e possibilitaram, durante o contato com o real, a emergência de novas categorias que são resultantes do processo de pesquisa empreendido junto às unidades de ensino. As categorias que emergiram do estudo estão centradas na questão da teoria/prática, da crítica/alienação, da possibilidade/limitação e da totalidade/fragmentação.
Para viabilizar a aproximação com a temática do estudo, foram utilizados como instrumentos de pesquisa: entrevistas com 20 docentes de 4 unidades de ensino de Serviço Social do Rio Grande do Sul; leitura e análise dos respectivos projetos pedagógicos dessas unidades; participação nos encontros estaduais, regionais e nacionais que discutiram a nova proposta de formação profissional do Serviço Social e resgate da produção teórica sobre a revisão curricular que teve seu ápice, em 1996, com a aprovação de um novo projeto de formação profissional.
A metodologia de pesquisa utilizada seguiu duas trajetórias. A primeira abordou a construção do estudo que esteve centrada em passos metodológicos, esboçados por SOUZA (1996), e expressos através dos seguintes movimentos: sensibilização, tradução, desconstrução/construção, reconstrução, avaliação da síntese e proposição. A segunda possibilitou a análise dos dados oriundos das entrevistas com os docentes e dos projetos pedagógicos das unidades de ensino. Para tanto, recorreu-se a análise de conteúdo proposta pelos autores PAGÉS, BONETTI e GAULEJAC (1990).
Como evidências deste estudo, com relação à temática indicada, está a necessidade de superação do ecletismo, visando à instauração do pluralismo como uma postura indispensável para o debate entre as diferenças (uno/diversidade) e a concretização da troca do ecletismo pelo pluralismo, na busca de uma aproximação consistente e abrangente da realidade (uno/complexidade). Na formação profissional, o pluralismo expressa-se pela garantia de uma direção social que contemple a unidade/diversidade presente nas esferas do real e estimulada pela mudança do paradigma educacional vigente. Pressupõe a garantia de espaços abertos e plurais que indicam um movimento profissional capaz de romper com a aparente coesão que, até então, caracterizou a profissão, para dar lugar ao embate de idéias que, em última instância, indicam uma aproximação consistente e madura do Serviço Social com as configurações da realidade atual.
ABSTRACT
The growing complexity of reality, that surrounds all the social spheres has indicated the necessity of thinking/behaving under a new perspective, where can be considered the existence of many elements in detriment of the unity and consequently the unconditional assurance that for many times took place in the spheres of the production of knowledge. In this way, it is like a challenge the search for knowledge that allows the link between the different areas of knowledge and determines the link among the sole, the multiple, the diverse and the complex. Joining this challenge, science faces the fragments knowledge and at the same time with new proposals that permit complementary conceptions, concurrents and antagonistics, in the search for developing the borders of knowledge. Turning to the social work, it is possible to see different postures, theoretical and practical, about dealing with the reality. The existence of this diversity shows the necessity of refletions about the repercussion in the profession. One of the signs of this reflexion was the revision on the concept of the profissional formation which indicates the tensions/possibilities to concrete the projects of the profession according to these different positions and the necessity of discussion of them. This work shows the configuration of pluralism in the profissional formation, taking from the reality observed by the teaching unities of social work from Rio Grande do Sul. In order to make it possible, categories were built to permit an approachment in relation to the topic and centralize in the conception of the formation, in a social direction and in the understanding of pluralism. The setting of such categories relies on the Paradigm of Complex Thinking stated by Edgar Morin. They are: order/disorder, one/multiple, one/dissimilar and one/complex; they have been stablished along the contact with reality and the coming up of other categories resulting from the research and procedures carried in the teaching units. The categories resulting from the study are centered around the contradicitons of theory/practice, criticism/alienation, possibility/limitation and wholeness/fragmentation. To make possible the approach of the study´s thematic, we have used the following research tools: interviews with 20 teachers from four teaching units of Social Service in Rio Grande do Sul; reading and analysis of the forementioned unit´s pedagogical projects, and resuming of the theorical production on curricular remodeling (which reached its peak in 1996, when a new project of professional formation was approved). The research methodology consisted in two essential moves. The first approached the building of the study, which was centered in methodological steps outlined by SOUZA (1996), Such methodological steps are expressed through the motions of sensibilization, translation, construction/deconstruction, reconstruction, synthesis evaluation and proposition. The second move involved the analysis of the data coming from interview with the teachers, analysis of pedagogical projects of teaching units and other papers. To perform such analysis we have used the dialetical content analysis proposed by authors PAGES, BONETTI and GAULEJAC (1990). Like evidence to this work, in relation to the indicated topics, is the necessity of superation looking for the instauration of pluralism as an indispensable posture for the discussion between the differences (sole/diverness) and the concretion of exchange between these different points in the search for a consistent and including approchment of the reality (sole/complexity). In the profissional formation, the pluralism was shown by the guarantee of a social direction that contemplates the unity/diversity present in the spheres of real and that allows the changing in the teaching paradigm. Include the guarantee of opened and plural spaces which indicates a profissional movement able to end with the cohesion that up to this moment, characterize the profession, giving the place to the discusion of ideas, indicating a consistent and nature approaching of the social work to the configurations of the present reality.
1. CONTEXTUALIZAÇÃO DA TEMÁTICA
Vivemos em um período no qual, incessantemente, fala-se em crise e em suas repercussões. Repercussões que, gradativamente, impõem novas demandas (históricas, sociais, políticas, econômicas e culturais) e, ao mesmo tempo, desencadeiam processos que visam contemplar alternativas de superação. Falar de crise, implica situá-la em um tempo em um espaço que, historicamente, vieram demarcando os contornos que serviram de berço para a situação atual. Estamos prestes a entrar no Século XXI e isto traz uma série de significados importantes, principalmente, em relação ao avanço tecnológico revigorado desde os anos 80 e que, neste final de século, garantiu à humanidade ilimitadas descobertas e aprimoramentos técnico-científicos.
Esses, por sua vez, facilitaram profundamente a vida cotidiana, bem como influenciaram novos comportamentos e valores que auxiliaram na demarcação do próximo século. Contudo, esta crise vem sendo alicerçada desde o início deste século, quando vários acontecimentos já indicavam transformações significativas no seio da sociedade contemporânea e que encaminham para um futuro não muito promissor no que se refere à problemática em que se insere o Serviço Social.
Estes acontecimentos garantiram ao Século XX, por um lado, uma notável tendência para o progresso e o desenvolvimento e, por outro lado, fortes questionamentos que desencadearam inúmeras crises que, até hoje, permanecem como desafios.
No âmbito do trabalho, mais especificamente, nas profissões inseridas na divisão sociotécnica do trabalho, também houve repercussões significativas. O Serviço Social, nascido da Revolução Industrial e legitimado, no Brasil, na década de 30, passou por diferentes períodos que marcaram profundamente o cenário profissional.
Para apreender esse cenário, partimos da introdução do Serviço Social no Brasil e relacionamos o seu surgimento como decorrente do processo histórico vivenciado pela sociedade brasileira neste século.
1.1. Tendências na Formação para o Serviço Social - A Indicação da Problemática do Estudo
A delimitação das bases históricas para a inserção do Serviço Social, no Brasil, está relacionada à dinâmica das relações sociais vigentes na sociedade e oriundas de um processo cumulativo de acontecimentos expressos nos âmbitos sociais, políticos, econômicos e religiosos.
O amanhecer do Século XX, no Brasil, trouxe as condições necessárias para o rompimento do modelo agrário-exportador, vigente até o período, o início da industrialização e, em conseqüência, da organização trabalhadora. É sabido que, até o final do século passado, a economia brasileira e sua exportação estavam centradas na produção de café, principalmente, no eixo São Paulo-Minas Gerais. Em decorrência da hegemonia econômica destes estados, a Primeira República esteve centralizada, também, no âmbito da política, pois foi introduzido: "Um sistema de rodízio na escolha de presidentes do país, conhecida como política do café-com-leite, que conservava um grupo restrito no poder, fazendo com que Minas e São Paulo passassem a monopolizar as escolhas dos dirigentes da nação" (LIMA, 1982:14).
Havia uma hegemonia, no âmbito nacional, dos grandes latifundiários e, portanto, alta concentração da população nas zonas rurais.
Em face das repercussões da Primeira Guerra Mundial, principalmente, a diminuição das exportações, a necessidade de incremento dos setores industriais e da expansão dos movimentos migratórios das zonas rurais para as urbanas, o país iniciou o seu processo de modernização que gerou, entre outros fatores, o agravamento das tensões sociais. Estas tensões sociais foram conjugadas pelo aumento significativo do operariado; pela ausência da intervenção estatal nas relações de trabalho; pelas influências da Primeira Guerra Mundial, do movimento anarquista e da Revolução Russa. "Houve uma série de greves e agitações sociais entre 1917 e 1919, na área urbana industrial do país, as quais mostraram um grau de amplitude que foi capaz de assustar a classe dominante e fazer perigar as estruturas vigentes" (LÓPEZ, 1988:43).
Pela primeira vez, fica evidenciada a força da classe trabalhadora em organizar-se para garantir atendimento de suas necessidades, desencadeadas pelo modelo industrial e pela sua expansão nas zonas urbanas, e do reconhecimento, pelas classes hegemônicas, da necessidade em controlá-la. Fica explicitada, no cenário político brasileiro, a efetiva e tensa luta entre diferentes classes sociais. Em face deste início de organização trabalhadora, as oligarquias desencadearam movimentos de repressão e indicaram, pela primeira vez, a importância do trato da Questão Social, entendida como a : "manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia" (IAMAMOTO, apud NETTO, 1994:13).
Podemos perceber que à medida que a industrialização vai se consolidando, a Questão Social passa a exigir outro tipo de resposta, principalmente, pela necessidade de garantia das condições necessárias para a produção/reprodução da classe trabalhadora. Entretanto, de acordo com MARTINELLI (1989) e ESTEVÃO (1988), as respostas para a Questão Social vieram configuradas por manobras políticas que absorveram as pressões dos trabalhadores de forma disciplinadora e, fundamentalmente, represssora. O disciplinamento pode ser entendido a partir da própria criação do Ministério do Trabalho e da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) que implicou novo tipo de relação entre o estado e os trabalhadores e que reduziu os sindicatos a uma instância corporativa de poder vinculada ao estatal. A repressão ficou configurada em razão deste esvaziamento da organização trabalhadora e do início do Estado Novo, que considerava os problemas sociais como "casos policiais".
Além disto, o cenário mundial conviveu com uma séria crise econômica gerada pelo "crack" da bolsa de valores de Nova York (1929), o que repercutiu na política brasileira. Paralelamente, a Revolução de 30, no Brasil, veio garantir uma nova política, substituindo o domínio dos grandes latifundiários (nos âmbitos regionais) pela forte liderança presidencialista de Getúlio Vargas através da instauração do populismo. Deste modo: "A Revolução de 30 já encontrou um clima favorável para uma legislação social no Brasil que vinha se esboçando desde a década anterior e que se reafirmou criando o Ministério do Trabalho" (LIMA, 1982:17).
O Estado assume, então, uma organização corporativa e passa a tutelar as relações de trabalho, regulando a vida econômica, política e social; intervindo nos movimentos populares, entendidos como excessos revolucionários, determinando uma legislação que busca conciliar os interesses contraditórios entre capital e trabalho e impedindo a livre negociação entre o patrão e o empregado. Fica evidenciada a busca pela harmonia social através de projetos políticos sustentados no amparo e na proteção do trabalhador. Evidentemente, esta nova política estatal buscava atender a burguesia industrial, que emergia em substituição às oligarquias rurais através da satisfação de algumas reivindicações dos trabalhadores, visando à harmonia social e a garantia do pleno desenvolvimento urbano e industrial.
O conjunto de leis sociais implementadas pelo Estado Novo pressupõe, portanto, o reconhecimento político da classe trabalhadora e a necessidade de atendimento de seus interesses. Historicamente, a Questão Social recebe uma nova configuração e passa a ser vista como o centro das contradições sociais.
Analisando a gênese do Serviço Social, percebemos que, no Brasil, esta profissão surge neste momento histórico e com forte vinculação à ação da Igreja. Deste modo: "Tendo suas bases nas formas de assistência social que se desenvolvem com a mobilização do movimento leigo pela Igreja Católica, a partir da segunda metade da década de 20, o reconhecimento do Serviço Social enquanto profissão institucionalizada, só ocorrerá quando a Igreja Católica, enquanto instituição social, organiza-se para assumir um papel ativo na chamada questão social" (RAICHELIS, 1988:62).
Para a autora, o surgimento do Serviço Social caminha com a mobilização da Igreja, na busca do resgate de seus interesses e privilégios corporativos através de uma influência normativa. O reordenamento da Igreja estará dado
a partir da constituição do chamado "Bloco Católico", que lança figuras vinculadas à Igreja na militância tanto intelectual quanto política e que
adotaram como premissas: uma doutrina social totalitária; um projeto de desenvolvimento harmônico para a sociedade; "o capitalismo transfigurado e
recristianizado aparece como concorrente do socialismo, na luta pela conquista e o enquadramento das classes subalternas" (RAICHELIS, op. cit.:59).
Observamos que a identidade inicial do Serviço Social está caracterizada pelo conteúdo doutrinário e confessional da Igreja e sua emergência é ampliada a partir da criação das primeiras escolas, que visavam à profissionalização da assistência e o seu tutelamento pelo aparato religioso.
Por outro lado, há que salientar-se a ligação da profissão ao Estado, em decorrência da agudização econômica e social, do fortalecimento do populismo como alternativa para manipulação dos trabalhadores e da sua vinculação aos interesses dominantes. Assim, o início da profissionalização do Serviço Social está intimamente relacionado aos movimentos, religiosos e estatais, em torno do atendimento da Questão Social e visando à garantia de privilégios específicos de cada setor.
A Questão Social, portanto, é uma forte expressão do conflito entre classes provenientes do capitalismo e, o seu acirramento, obriga a burguesia a dar uma resposta para tal situação. Como vimos, as respostas vem do Estado e da Igreja; o primeiro busca consolidar-se politicamente, garantindo a paz política e, a segunda, pretende resgatar seu poder e reconquistar privilégios nesta nova sociedade.
Em decorrência da influência da Igreja Católica, o início da formação para o Serviço Social teve como base fundamental a formação voltada para o doutrinarismo e a moral. Portanto, o elemento vocacional aliado ao catolicismo, configuram o perfil inicial a ser formado para o exercício do Serviço Social.
De acordo com PINTO (1986), a primeira escola de Serviço Social no Brasil, fundada em São Paulo, em 1936, foi estimulada pelo interesse de um grupo de jovens católicas que, durante um curso de formação social, idealizou a criação de um Centro de Estudos e Ação Social (CEAS) e, posteriormente, criou esta escola.
As bases fundamentais para criação dessa escola tiveram orientação da Escola de Serviço Social de Bruxelas e, por isto, a influência européia (franco-belga), sob orientação tomista é a primeira repercussão doutrinária na formação dos assistentes sociais brasileiros. Assim, o profissional seria educado a partir de diretrizes ético-religiosas, levando em conta as suas características pessoais, seu comprometimento com os "menos favorecidos" e sua boa-vontade.
Quanto ao aspecto técnico, destacaram-se o desenvolvimento de práticas restritas a casos individualizados, tendo a visão da família como base para organização da sociedade. A metodologia estava centrada no modelo médico, constituído de estudo, diagnóstico e tratamento. A Questão Social era tratada, individualmente, por ser considerada uma doença social, passível de controle através de práticas reformadoras do caráter. Por volta de 1940, o Serviço Social começa a receber a influência norte-americana, fruto da hegemonia econômica deste país no Bloco Ocidental, resultando na sua ascensão política, ideológica e cultural. A aproximação do Brasil com os Estados Unidos da América - EUA foi resultante da supremacia americana, com relação à européia, decorrente do Pós - Segunda Guerra Mundial e, também, da: "política de boa vizinhança que representou uma tentativa americana de alcançar maior penetração comercial na América Latina e se fortaleceu à medida que o governo americano injetou recursos nos programas de industrialização do governo brasileiro" (PINTO, op.cit.p.45).
Esse estreitamento das relações entre Brasil-EUA repercutiu no Serviço Social através da intensificação de intercâmbios de assistentes sociais brasileiros que buscavam a ampliação de seus estudos naquele país. Nesse período, a ênfase na formação profissional ainda estava sustentada na visão terapêutica e na concepção de que a Questão Social era um desajustamento social. Com a influência americana emergiu a perspectiva funcionalista, a princípio aliada ao neotomismo cristão e com conseqüente reforço da: "postura terapêutica, dando tratamento às feridas sociais, nas linhas da Psicologia e da Psiquiatria da época, levando-se em conta os desajustamentos sociais" (PINTO, op. cit.:25).
Essa influência traz, em seu bojo, dada a perspectiva terapêutica, o desenvolvimento técnico e o atendimento da Questão Social de forma científica. Esta cientificidade privilegiou o paradigma positivista no Serviço Social, e ganhou força pelo denominado "Modelo Funcional", que preconizava as abordagens de caso, grupo e comunidade. A incorporação deste referencial significou a transposição de modelos teóricos americanos para a realidade brasileira, demarcando uma nova doutrina, desta vez, assentada na tecnificação.
FALEIROS (1981) alerta-nos para a presença constante da penetração ideológica no Serviço Social, como uma estratégia de dominação. Para o autor, tanto a influência européia quanto a americana: "São elaborações teóricas nascidas no próprio seio do capitalismo, como resultado de uma concepção ideológica e conservadora da sociedade e das estratégias de controle das classes dominadas pelas classes dominantes" (FALEIROS, 1981:24).
Ainda que fique evidenciada a influência ideológica, de natureza positivista, na formação para o Serviço Social, durante a década de 50 e início da década de 60, o Serviço Social incorpora a política desenvolvimentista no ensino. Esta política enfatizou a aceleração econômica, incentivada pela industrialização e modernização. Ao Serviço Social caberia contribuir no aprimoramento do ser humano, mesmo que o país convivesse com a existência de setores subdesenvolvidos. Este era visto como uma disfunção e, neste sentido, a profissão prepara-se para trabalhos de desenvolvimento de comunidade, principalmente, através de trabalhos de organização da mesma. O desenvolvimento de comunidade era uma estratégia lançada para garantir a prosperidade, o progresso social e a hegemonia da ideologia americana(capitalismo). Esta política visava: "Preservar o mundo livre de ideologias não-democráticas. Parte do pressuposto de que as populações pobres tem maior receptividade ao comunismo. Então, é preciso melhorar e desenvolver o sistema capitalista.
Daí, a busca de estratégias, uma das quais será a implantação de programas de Desenvolvimento de Comunidade" (AGUIAR, 1982:70). Foi na esteira do desenvolvimentismo que o Serviço Social produziu as condições necessárias para sua legitimação, como profissão, na sociedade brasileira. Deste modo, a profissão traz uma herança relacionada ao atendimento de interesses dominantes, à manipulação do trabalhador e à reprodução social. Esta situação é geradora de contradições para a prática profissional, pois a configuração historicamente assumida pelos profissionais insere-os no centro dos conflitos entre as classes e que, até aqui, coloca-se a serviço do capital, embora o ideário de categoria fosse o de articulação com os dominados.
Convivendo com as contradições oriundas de seu legado tipicamente assistencial e de sua legitimação por parte das classes dominantes, o Serviço Social teve sua identidade atribuída pela capitalismo, o que significou a ausência de identidade profissional, pois: "... fragiliza a consciência social da categoria profissional, impedindo-a de ingressar no universo da "classe em si" e da "classe para si" do movimento operário. Não reunindo condições para realizar o percurso em direção a uma consciência crítica, política, a profissão não consegue
igualmente, até mesmo por seus limites corporativistas, participar da
prática política da classe operária, sendo absorvida pela tecnoburocracia
da sociedade do capital" (MARTINELLI, 1989:9).
Esta falta de condições para construir uma "consciência social" como classe
é decorrente das próprias estratégias do capitalismo, pois são criados
mecanismos geradores da alienação e, com isto, da reprodução do sistema.
Como resultado da ausência de identidade, ocorreram manifestações no
interior do Serviço Social de burocratização e tecnificação da prática, de
des-solidarização com as outras categorias profissionais e de reificação.
É a partir do final da década de 60, entretanto, que o Serviço Social rompe
com a linearidade que o vinha identificando na sociedade brasileira. Neste
trabalho, interessam-nos, particularmente, os aspectos vivenciados pela
profissão após 1960, pois:
"é inconteste que o Serviço Social no Brasil, até a primeira década de
sessenta, não apresentava polêmicas de relevo, mostrava uma relativa
homogeneidade nas suas projeções interventivas, sugeria uma grande
uniformidade nas suas propostas profissionais, sinalizava uma formal
assepsia de participação político-partidária, carecia de elaboração teórica
significativa e plasmava-se numa categoria onde parecia imperar, sem
disputas de vulto, uma consensual direção interventiva e cívica" (NETTO,
1994:128).
A partir desta citação, fica evidenciado que, até a década de 60, havia uma
uniformidade na trajetória teórico-prática desta profissão. Porém, o Golpe
de 64, ampliado por quatro Atos Institucionais referentes ao sistema
repressivo e centralizador, à multiplicação de greves e protestos de
setores trabalhistas e estudantis, à censura rigorosa e à cassação de
direitos civis e políticos, geraram tentativas de: "encobrir as verdades da
distorção da distribuição de renda e das injustiças do sistema de um modo
geral. Devido à censura, a situação global permanecia sob controle e as
restrições que se multiplicavam impediam muita coisa de vir à luz" (LÓPEZ,
1988:119).
Devido a essa nova configuração do cenário brasileiro, surgem movimentos de
caráter reivindicatório e de denúncia diante do que descrevemos antes. A
sociedade civil iniciou um processo de articulação em busca da volta do
estado de direito, da anistia política e da justiça social. Em
conseqüência, o Serviço Social também foi incluído em um novo cenário,
principalmente, o latino-americano. Ainda recebendo influência
norte-americana, o Serviço Social brasileiro passou a se identificar com
problemáticas mais sintonizadas com sua realidade, principalmente, do
projeto de desenvolvimento alicerçado em bases desiguais; da sua vinculação
ao projeto dominante; da sua institucionalização pelo aparato estatal e seu
afastamento dos movimentos populares.
A partir da identificação da sua ligação à classe dominante, grupos
organizados de assistentes sociais promoveram encontros sistemáticos, no
âmbito latino-americano, para discutir o papel do Serviço Social. Estava
desencadeado o chamado "Movimento de Reconceituação". Este movimento surge
a partir de fortes questionamentos, por parte de alguns profissionais,
sobre a prática profissional, o compromisso e a consciência social de seus
agentes. O movimento pretendia rever o projeto profissional e redefini-lo a
partir da realidade vivenciada, caracterizando-se por um processo de
revisão crítica que questionava a orientação positivista-funcionalista, que
visava à adaptação do homem ao meio social, no que se refere ao "objeto,
objetivos, ideologia e método" (PINTO, 1986:31).
Esse movimento, basicamente, negou o modelo importado dos EUA, passando a
vincular a prática profissional com os interesses populares e rejeitando o
trabalho institucional. Foram questionados os saberes utilizados, até
então, houve aproximação teórica com o marxismo e a fenomenologia, embora
lançando mão de fontes de validade científica questionáveis, pois havia o
entendimento de que a prática crítica só seria introduzida pela apropriação
destes referenciais.
A partir desse movimento, resgatou-se no Serviço Social a necessidade de
articular a teoria e a prática através de metodologias próprias, de
dialogar com as Ciências Sociais e de propor um projeto da categoria para a
sociedade.
Contudo, não foram todos os profissionais que aderiram ao movimento e, por
isto, a Reconceituação deixou um forte "divisor de águas" no Serviço
Social. Abriu-se um grande espaço para as várias formas de ler e intervir
na realidade. Fala-se em pluralismo na formação profissional e na riqueza
de diversos posicionamentos. Isto, com certeza, possibilita a construção de
diferentes e múltiplas formas de "ser assistente social", e, por outro
lado, aponta para a existência de antagonismos que garantem a efervescência
do debate no interior do Serviço Social. Neste sentido, a identidade
profissional foi: "Posta em seu lugar no cerne do movimento, envolta por
múltiplas forças contraditórias, a identidade começou a ganhar uma nova
dimensão de força viva, de movimento permanente e de construção incessante"
(MARTINELLI, op.cit.:133).
Podemos dizer que, pelas vias da Reconceituação, o Serviço Social deu sinal
de sua contemporaneidade e renovação. Esta contemporaneidade, por sua vez,
apontou para questionamentos significativos no processo de formação
profissional vigente até o período. Assim, de uma formação que visava o
atingimento dos objetivos dominantes, surgiu a necessidade de rever o
Serviço Social nesta nova realidade, caracterizada pela abertura
democrática e da sua vinculação com a classe considerada dominada.
Uma das alternativas mais significativas que garantiram a dinamização da
discussão sobre a formação profissional, foi a redefinição do currículo
mínimo de Serviço Social. Este currículo, aprovado em 5.8.82, pelo Conselho
Federal de Educação, através do Parecer 197/80, com carga horária de 2700
horas, ficou caracterizado pela subdivisão em duas partes: uma básica e
outra profissionalizante. A área de conhecimentos básicos englobaria o
conhecimento do contexto social, institucional e da clientela do Serviço
Social. Como complemento, a área de conhecimentos profissionalizantes
abordaria o estudo do objeto, objetivos, habilidades e estratégias da ação.
Em síntese, este currículo deveria possibilitar:
"- o exercício e sistematização de uma prática voltada para uma realidade
objetiva;
- a utilização do relacionamento como instrumento da prática do Serviço
Social;
- a compreensão da participação social no contexto institucional do homem
como ser histórico;
- a utilização da pesquisa como instrumento da prática profissional;
- a utilização da metodologia do Serviço Social" (Associação Brasileira de
Ensino de Serviço Social - ABESS, apud PINTO, 1986:97).
O currículo de 82 rompe com o ensino do Serviço Social de Caso, Grupo e
Comunidade ao interpretar que a profissão está fundada a partir da própria
realidade e, portanto, há uma necessidade em fornecer uma formação
alicerçada em disciplinas e/ou teorias sociais que permitam a apreensão
desta realidade. O eixo do currículo ficou centrado na Teoria e
Metodologia, pelo entendimento de que é pelo conhecimento das teorias
sociais e de seus respectivos métodos que será construída a prática do
Serviço Social. Este currículo, embora esteja hoje em processo de revisão,
apontou avanços significativos, tais como: a proposição de mudanças,
preocupação com questões básicas da formação e nova proposta de prática
profissional, que vem sendo construída historicamente e que objetiva
vincular a prática profissional aos interesses da clientela do Serviço
Social (ABESS, 1994).
Paralelamente, a categoria dos assistentes sociais, buscava garantir essa
proposta de formação, também, no terreno ético-político. Deste modo, entre
1986 e 1993, foram aprovados dois Códigos de Ética Profissional.
O Código de 1986 reafirmou a dimensão política da prática, indicou a
necessidade de construir práticas transformadoras e rompeu com o
conservadorismo e as práticas tradicionais. Esta nova ética era entendida a
partir da "inserção da categoria nas lutas da classe trabalhadora e
conseqüentemente de uma nova visão da sociedade brasileira" (Código de
Ética do Assistente Social, 1986:7).
A crítica empreendida com relação a este instrumento normativo do agir
profissional, diz respeito à ausência de mediações adequadas para
possibilitar este ideário de transformação social e sua crítica reside no
excesso de voluntarismo presente.
O último Código (1993) reafirmou valores fundamentais como liberdade,
justiça, eqüidade e destacou "a busca da ampliação da cidadania,
aprofundamento da democracia, garantia do pluralismo e opção por um projeto
profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem
societária" (ABESS, 1994:11). Neste documento, fica realçado o compromisso
com os trabalhadores através de um processo de superação da ordem burguesa
e aliado ao exercício profissional competente. Esta competência é
viabilizada pelos princípios ético-políticos e da relação teórico-prática
do Serviço Social.
Tanto no currículo de 82, quanto no Código de Ética de 93, foi valorizada a
presença de uma pluralidade de elementos a serem contemplados pela
profissão, tais como a busca pela efetiva capacitação teórica dos
profissionais, das estratégias incentivadoras de uma real aliança da
profissão com os trabalhadores e do entendimento de que a formação está
situada no interior das relações de classe. Entretanto, algumas
dificuldades impediram a efetivação concreta deste projeto de formação
profissional. Esta evidência pode ser melhor compreendida quando partimos
do entendimento, alicerçado no paradigma sociocrítico, de que a formação é
"um processo dialético, portanto, aberto, dinâmico e permanente,
incorporado às contradições decorrentes da inserção da profissão e dos
profissionais na própria sociedade" (SILVA, 1984:73).
Cabe indagar se essas mudanças ocorreram somente no ideário da formação
profissional ou contemplaram, também, a metodologia adotada na formação. Em
uma visão fragmentada, que olha o processo somente de um ângulo, está
imbricada a contradição teoria/prática, pois a proposição de mudança no
ideário formativo em questões paradigmáticas (sociocrítico) pode não ter
sido acompanhada na prática, permanecendo sustentada pela visão
positivista-funcionalista.
Há uma estreita relação entre as partes e o todo. Na busca de seu
entendimento, em uma perspectiva complexa, há necessidade de instaurar o
resgate das qualidades emergentes e retroativas. Redimensionar o ideário da
formação sem que o próprio processo formativo seja redimensionado, implica
a negação da unidade indissolúvel do processo de formação.
O significado social da profissão está dado pela sua articulação com o
movimento histórico da própria sociedade. Neste sentido, pensar a formação
profissional significa situá-la nas relações de classe da sociedade
brasileira e no projeto que a categoria dos assistentes sociais vem
construindo como contribuição da profissão nesta sociedade, entretanto, em
uma abordagem de determinismo histórico.
Um novo perfil profissional vem sendo delineado e, ante a trajetória
histórica do Serviço Social, impõe-se a necessidade de garantir uma efetiva
consolidação de um perfil profissional que contemple uma visão não-
determinista e, também, no que se refere ao redimensionamento da própria
metodologia utilizada no interior dos cursos de formação de assistentes
sociais. Há necessidade de atentar para a qualificação como uma estratégia
diante do avanço do ecletismo que permanece, caracterizando a profissão em
uma visão distorcida de pluralismo. "Este ecletismo tornou-se uma porta
aberta para a penetração de novas doutrinações, que podem dificultar o
avanço da prática profissional em uma sociedade em mudança" (PINTO, 1986:
54).
O interesse deste estudo é o de apreender a dinâmica presente no processo
de formação profissional, de 1982 a 1996, atentando para as lacunas
existentes, principalmente, no que se refere ao debate e à luta pela
hegemonia em torno da direção social e da definição de uma nova concepção
de formação, no intuito de resgatar a configuração do pluralismo nas
unidades de ensino de Serviço Social - (UEES) em uma perspectiva de
complexidade.
"Luta esta travada no universo acadêmico-profissional do Serviço Social,
tanto em torno dos compromissos ético-políticos que veicula, como de
paradigmas teórico-metodológicos de análise da realidade e norteadores da
ação profissional" (IAMAMOTO, 1995:17).
Dentre esses paradigmas destacamos, de acordo com PINTO (1994), a
existência de quatro propostas: a uniforme, a eclética, a caótica e a
pluralista. A uniformização foi a perspectiva utilizada, basicamente, até a
Reconceituação e revela a utilização do paradigma positivista para
apreensão do real. Esta postura expressa dogmatismo teórico e exclui a
utilização dos demais paradigmas, gerando determinismo comportamental. O
ecletismo denota uma tentativa de integração entre corpos teóricos
epistemologicamente antagônicos, expressando apropriação de saberes de
forma indiscriminada sem uma apropriação consistente. O caos indica a
ausência e inconsistência teórica de conhecimentos que vão sendo, através
de noções do senso comum, progressivamente, mimetizadas e disfarçadas em
conceitos, incluindo o predomínio da desordem utilizada de forma
destrutiva. E o pluralismo:
"... consistiria em ser capaz de, a partir de uma postura epistemológica e
teoricamente coerente, que serve como eixo central tanto para a produção de
conhecimentos quanto para a transformação do real, integrar conceitos e
teorias que não sejam antagônicas ou logicamente contraditórias" (PINTO,
1994:31).
Essas propostas e posicionamentos permanecem presentes no cenário
profissional e são responsáveis pela efervescência do debate contemporâneo.
Entretanto, as indagações resultantes deste debate apontam para a
necessidade de garantir o pluralismo no Serviço Social em uma abordagem de
complexidade, que iria além da visão do paradigma sociocrítico como,
também, da explicitada por PINTO (1994), pois implicaria visão dialógica na
qual buscasse a interação entre posicionamentos antagônicos, complementares
ou concorrentes, excluindo-se o reducionismo e o determinismo. Por isto,
privilegiamos esta temática como centro deste estudo, a partir do seguinte
questionamento: COMO O PLURALISMO TEM REPERCUTIDO NO PROCESSO DE FORMAÇÃO,
DAS FACULDADES DE SERVIÇO SOCIAL DO RIO GRANDE DO SUL, NO PERÍODO DE 1982 A
1996?
1.2. Importância do Estudo, Hipóteses e Objetivos
O panorama que circunda a discussão em torno do pluralismo tem revelado uma
tendência sociocrítica, objetivando incorporá-lo no discurso, entretanto,
sem uma prévia discussão do entendimento que permeia esta problemática.
Há uma lacuna dentro da profissão que revela a necessidade e estimulação de
um estudo que busque resgatar a discussão sobre o pluralismo, no sentido de
desvelamento do conhecimento e debate travados no interior da mesma.
Outro elemento que propulsiona este estudo é a quase inexistência de
produções teóricas sobre o tema, o que pode estar a indicar a fragilidade
e/ou inconsistência teórica sobre as discussões empreendidas no que se
refere ao pluralismo no Serviço Social. O pluralismo tem sido caracterizado
como uma tentativa e um posicionamento que busca a garantia do debate
aberto às diferenças. Isto porque há um consenso, no interior da profissão,
de que existem múltiplas formas do profissional efetivar sua inserção na
sociedade.
Nessa perspectiva, este estudo está alicerçado no entendimento de que há
uma crescente complexidade da realidade e, portanto, nas mais variadas
esferas da vida social. No âmbito da formação profissional, como vimos
anteriormente, convive-se com a necessidade de garantir uma pluralidade de
elementos e, ao mesmo tempo, garantir uma unidade que sirva como eixo
articulador desta formação, excluindo-se a uniformização, o ecletismo e o
caos, pois uma abordagem de complexidade que contempla a interação entre
pontos de vista distintos e metapontos-de-vista, poderá oferecer a
possibilidade de modificação dos rumos do projeto de formação até então
adotados pelo Serviço Social.
Este estudo parte do pressuposto de que o pluralismo na formação do Serviço
Social implica: organização complexa do processo de formação profissional,
estabelecida pela interação entre saberes e posicionamentos antagônicos,
complementares e concorrentes (uno/múltiplo, uno/diverso) permeada pela
necessidade de atingir uma unidade (uno/complexo).
Esse pressuposto aliado às premissas, abaixo citadas, indicam uma reflexão
pessoal com relação a esta temática e que constitui o inventário provisório
das pré-concepções presentes neste estudo. Assim, partimos do entendimento
de que:
- A formação profissional é um processo amplo e complexo de preparação
científica e técnica de profissionais, objetivando inserção no mercado de
trabalho, capacidade de dar respostas às demandas sociais, incentivo à
produção do conhecimento e articulação com o projeto social da categoria
profissional. Portanto, a formação, em uma perspectiva pluralista, busca a
garantia da qualificação, bem como a instauração de uma competência
técnico-política;
- O processo de formação profissional sofreu mudanças significativas a
partir da implantação do currículo de 1982, dada a perspectiva pluralista.
Este impôs a necessidade de concretização de uma unidade curricular
explicitada pela direção social de cada escola, tendo, no entanto,
desencadeado a existência de propostas de ensino antagônicas, permeadas
pelas ameaças desintegratórias (ideologias) e a incidência da tendência
ecletista;
- A definição da direção social da formação profissional tem sido apontada
pelos diversos posicionamentos assumidos pelas escolas e pela indicação de
que este direcionamento está intimamente relacionado com as
visões/concepções que peculiarizam o confronto entre as múltiplas forças
presentes no interior da profissão.
Partindo dessas premissas, este estudo teve como objetivos principais:
- Investigar o entendimento de formação profissional constitutivo dos
projetos pedagógicos e do ideário de profissionais que atuam como docentes
em instituições de ensino superior do Rio Grande do Sul;
- Analisar as evidências deste entendimento no que se refere ao pluralismo;
- Analisar as visões/concepções, contradições/mediações que têm permeado a
definição da direção social da formação profissional nestas instituições.
2. APROXIMAÇÕES COM O REAL
2.1. Concepção da Categoria Central
A relevância do interesse pelo tema pluralismo reside na possibilidade de
apreensão da diversidade de leituras de vários aspectos do real. Contudo,
não é possível deixar de mencionar que sua existência está diretamente
relacionada com a consciência da crescente complexificação da realidade e
do entendimento de que ela é uno/múltipla / diversa/complexa e o que
resulta em diferentes formas de apreender os fenômenos que nos cercam.
Assim, o pluralismo pode contribuir para a indicação de que há um avanço no
âmbito da ciência, no sentido de resgatar a multiplicidade de elementos que
configuram a realidade atual e que, por sua vez, apontam a importância de
uma abordagem em uma perspectiva de complexidade. Vivemos na emergência de
um saber plural, pois:
"Hoje não há mais problemas que não sejam complexos e não há mais lugar
para a sabedoria que não se abra para a pluralidade. O saber complexo surge
como conseqüência da abordagem do complexo e, simultaneamente, como
condição necessária para esta mesma abordagem" (GRECO, 1994:27-28).
Carlos Nelson Coutinho (1991) enfatiza duas dimensões presentes na
abordagem do pluralismo: a política e a teórica.
Na dimensão política, Coutinho entende que o pluralismo é um fenômeno
típico do mundo moderno, tendo sido gerado pelo próprio movimento de
construção do capitalismo. Para o autor, esta concepção está ligada a uma
visão individualista de homem quando influenciada, basicamente, pelo
pensamento liberal de John Locke. Assim, a sociedade estaria composta pela
soma de interesses privados, em que há uma valorização de diferentes
posicionamentos, ou seja, há uma pluralidade de interesses. Coutinho
ressalta que estas idéias revelam o entendimento de que o progresso se dá
em razão das diferenças, vistas como positivas na ordem e no progresso
social. Isto traria, como conseqüência, o desencadeamento da defesa, da
tolerância e da diferença.
Dessa visão liberal, o autor aponta o surgimento de quatro valores
pluralistas: a idéia da importância do conflito (o pluralismo é defendido
por se julgar que a diferença e a competição são positivas); a idéia da
tolerância (com relação às idéias, propostas e opções); a idéia da divisão
de poderes (como saída para impedir o monopólio do poder-absolutismo); e a
idéia do direito das minorias. Estes valores surgem para concretizar e
consolidar a formação social capitalista e, conseqüentemente, para expandir
a individualidade humana.
Contrapondo-se à visão liberal, assentada no pensamento de Locke, Coutinho
recupera o pensamento de Rousseau como marca da democracia moderna e da
supremacia da coletividade, e da necessidade de formar uma vontade geral e
coletiva.
O autor, a partir de Locke e Rousseau, enfatiza a necessidade de conciliar
ambos os pensamentos através de uma síntese entre o predomínio da vontade
coletiva e do interesse individual, considerando a relevância das
diferenças.
Na dimensão teórica, Coutinho parte do pressuposto de que a ciência, sendo
aproximativa e incapaz de dar conta, de forma totalizante do real,
necessita do debate de idéias para seu próprio avanço. Para o autor, estas
idéias não podem ser, epistemologicamente, inconciliáveis, pois dariam
margem para o ecletismo ou o relativismo (problemáticas presentes no debate
sobre pluralismo). O importante seria a abertura para a diferença.
O texto desse autor contribui para este estudo, ao referir-se às dimensões
política e teórica presentes no pluralismo, pois este ao ser uma unidade na
diversidade, pressupõe a incapacidade de dar conta do real de forma
acrítica, simplificadora e única. Concordamos com Coutinho, ao apontar as
diferenças entre pluralismo e ecletismo, visto que, é essencial ter
presente a matriz epistemológica capaz de contemplar elementos diferentes
sem cair na simples junção.
O pluralismo não designa somente uma pluralidade, mas possui uma atualidade
decorrente "da expressão de conflitos virtuais sobre fundamentos do
trabalho científico e como elemento no processo de superação desses
conflitos" (MARTINS, 1993:104). Para o autor, o pluralismo como fenômeno
intencional, faz parte do processo produtivo do conhecimento.
O autor salienta que o pluralismo tem sido enfocado a partir de uma visão
positivista da ciência e, por isto, não tem avançado nesse terreno. Assim,
o pluralismo vem sendo restringido em razão dos elementos estruturados e
articulados com a teoria da ciência. Esta teoria da ciência, ainda moldada
pelo positivismo, é a que proclama o pluralismo como alternativa
teórico-metodológica para o avanço do conhecimento e para o alcance da
"verdade". MARTINS (1993) critica esta concepção e ressalta que a
efetivação do pluralismo tem sido impossibilitado pela vigência de padrões
científicos rígidos, indicando a necessidade de re-organizar os critérios
que dariam cientificidade ao tema em questão.
A contribuição desse autor, para este estudo, refere-se à atualidade do
tema e alerta para as dificuldades emergidas da orientação paradigmática
positivista, principalmente, no que se refere ao mito de neutralidade
científica e da certeza.
Outro aspecto congruente com a temática, diz respeito à situação
desencadeadora do pluralismo, pois ele é decorrente da crescente
complexificação e, por isto, pode ser visualizado como uma exigência
organizatória da própria ciência, incluindo interação entre a ordem
estabelecida e a desordem ocasionada pelo questionamento, encaminhando para
uma nova organização.
MARTINS (1993) preocupa-se com a questão da cientificidade do pluralismo,
trabalhando com a necessidade de escolha e ruptura com idéias
reducionistas. Esta tentativa do autor em argumentar sobre o critério de
exclusão/ inclusão, embora fortemente assentada na "revolução copernicana"
de POPPER, ainda mantém a vigência positivista de um único paradigma.
Porém, este circuito de exclusão/inclusão pouco contribui para
concretização da proposta pluralista, pois é fundamental conviver com a
harmonia/conflito, antagonismo/convergência/ concorrência, uno/complexo,
totalidade/fragmentação.
IAMAMOTO (1993), ao discutir sobre os desafios na construção de um projeto
de formação para o Serviço Social, realiza um balanço da produção acadêmica
desta área do conhecimento na década de 80. Este balanço indica como tem
sido concebido o processo de formação e objetiva subsidiar o debate em
torno da revisão do currículo de 1982.
Como idéias principais, defendidas pela autora, é salientada a construção
coletiva do Serviço Social, de um novo perfil acadêmico através da
transição democrática, que possibilitou uma inserção mais fecunda da
profissão no cenário acadêmico. Foi evidenciado um aumento da produção
teórica, principalmente, no que se refere à interpretação de caráter
histórico-crítico e à busca pela utilização de fontes clássicas e/ou
contemporâneas do pensamento social.
Dessas produções, IAMAMOTO destaca dois eixos importantes: a crítica
teórica e metodológica do conservadorismo e, ao mesmo tempo, do marxismo
"vulgarizado" e impregnado pelas vias positivistas; o segundo eixo, o de
reconstrução histórica da profissão, explicitando suas particularidades e
sua inserção na divisão sociotécnica do trabalho. Assim, IAMAMOTO aponta
como um avanço a própria denúncia ao tradicionalismo profissional e a
ultrapassagem dos "metodologismos", na busca pelas matrizes do pensamento
atual. Diz a autora:
"Avançamos do ecletismo no trato da teoria para a busca de uma convivência
plural de idéias no universo profissional, o que não deve eliminar a luta
pela hegemonia travada entre os representantes das distintas vertentes
analíticas e suas matrizes na arena acadêmica profissional" (IAMAMOTO,
1993: 107).
A contribuição da autora, para este estudo, reside na retomada da produção
teórica do Serviço Social e da interlocução que ele vem estabelecendo com
as outras ciências. Estas interlocuções levaram à existência de uma
pluralidade de entendimentos no interior da profissão e, por isto,
indicaram a existência de um ecletismo ou luta hegemônica, expressa tanto
no debate acadêmico, quanto no interior das instituições de formação do
Assistente Social.
O proferimento de NETTO (1995), durante palestra sobre o Serviço Social no
Futuro, merece destaque, pois o autor abordou as perspectivas de prática
profissional que estão impondo a demarcação de uma nova proposta de
formação profissional.
Ao abordar os desafios para a formação profissional, NETTO aponta dois
aspectos: a necessidade de termos uma formação intelectual assentada na
qualificação, informação, sensibilidade, e a presença de forças internas
que garantam a existência das diferenças dentro da profissão. Para o autor,
a ausência de consensualidade no interior do Serviço Social é que tem
garantido o seu crescimento.
Contudo, NETTO (1995) destaca alguns problemas com relação a esta
inexistência de consensualidade. Para ele, estes problemas são originados
por duas posições: a sectária e a liberal, sendo que a posição pluralista
possibilitaria uma aproximação mais consistente do Serviço Social com as
demandas da atualidade.
A posição sectária é aquela que, assentada em uma visão conservadora,
exclui posições diferentes das suas, impossibilitando o debate e
transformando-o em hostilidade, ou seja, intolerância com a divergência.
Com isto, há uma absolutização das posições, uma fuga ao debate que
impossibilita apanhar a riqueza das divergências.
A posição liberal aceita diferentes posições, nivelando as contribuições em
um mesmo patamar e impossibilita a tomada de posição, pois tudo é válido.
Esta posição, por vezes, é confundida com o pluralismo e, para o autor, é a
que tem predominado no Serviço Social. Na verdade, entende que nesta
posição existe uma distorção, pois não garante a polêmica ao aceitar tudo
como válido.
A posição pluralista é a que reconhece a existência legítima de várias
influências teóricas dentro da profissão e que percebe estas influências
como elementos que enriquecem o debate entre os profissionais. Entretanto,
a autor indica que este debate parte da discriminação das correntes
teóricas, qualificando-as a partir de uma clara posição: da tomada de
posição por uma ou mais delas. A tomada de posição e a utilização de uma
lente (teoria) é que permitem o debate pluralista. Entre os autores
contemporâneos que vêm contribuindo significativamente para a discussão da
complexidade, encontra-se EDGAR MORIN. Este autor enfatiza sua teoria no
estudo de três elementos principais: a ecologia das idéias, indicando
aspectos sociais e culturais; a noosfera, demonstrando a autonomia e
dependência da vida e das idéias e a noologia, evidenciando a organização
destas idéias. Para o autor, a noologia é: "o modo de existência e
organização das idéias, que considera não só organização e a vida das
idéias em sistemas, teorias e doutrinas, não só a lógica, mas também a
paradigmatologia" (MORIN, 1977:310).
A noologia busca identificar as estruturas de pensamento visto como um
universo constituído por idéias, teorias, filosofias, mitos, ideais e todos
os aspectos que constituam a sociedade e o homem em suas esferas biológica,
sociológica e individual. Concebe os paradigmas como dotados de
conhecimento, controladores das formas de apreensão do real e indica a
supremacia do Paradigma do Ocidente. Para MORIN (1991), este paradigma
controla o pensamento ocidental desde o Século XVII e foi responsável por
inúmeras descobertas e progressos no âmbito da ciência. Entretanto, as
características fundamentais deste paradigma instauraram a supremacia dos
princípios de disjunção, redução e abstração. Estes princípios estão
norteados pela separação entre sujeito e objeto e demarcados a partir de
Descartes. Desta separação ocorreu a disjunção do conhecimento e,
conseqüentemente, a simplificação, a hiperespecialização e a mutilação do
pensamento (inteligência cega).
Tomando, como ponto de partida, reflexões sobre os aspectos citados, MORIN
inicia através de várias publicações, a discussão em torno da necessidade
de superação da fragmentação mutilante nos mais variados aspectos do
conhecimento. Partindo desta noção, aponta para a necessidade de rompimento
com a idéia do saber parcelado, entendendo que o conhecimento é incompleto
e, portanto, a incerteza da ciência, cujo conceito pode estar sofrendo
modificações, é uma constante no processo de produção do conhecimento. Diz
o autor: "A ciência é, e continua a ser, uma aventura. A verdade da ciência
não está unicamente na capitalização das verdades adquiridas, na
verificação das teorias conhecidas. Está no caráter aberto da aventura
(...) exige a contestação das suas próprias estruturas de pensamento"
(MORIN, 1982:33).
Sustentado por essa visão de ciência, o autor inclui-se em uma
epistemologia da complexidade, contrapondo-se ao saber fragmentado oriundo
do paradigma ocidental, buscando a construção de um conhecimento
multidimensional. Este conhecimento privilegia o pensamento complexo em
detrimento do pensamento simplista, reducionista e disjuntivo. Propõe o
Paradigma do Pensamento Complexo, na busca de articulação entre as partes e
a totalidade em uma relação dialógica baseada na generalização da incerteza
e na multidimensionalidade que: "comporta necessariamente elementos de
razão/desrazão; de real/imaginário; de mito/ciência que precisam ser
reconsiderados como esferas vitais a serem integradas na complexidade do
pensamento" (CARVALHO, 1992:45).
Para MORIN, há uma necessidade de instaurar um modo de pensamento que leve
à compreensão das limitações do pensamento simplificador e que expresse a
unidade/diversidade presente em todo conhecimento. Nesta direção, é preciso
tomar consciência dos limites/possibilidades do conhecimento, pois ao
conhecê-los estaremos progredindo para o verdadeiro conhecimento
(complexo). Esta visão epistemológica do conhecimento, parte da crítica que
o autor faz sobre a ciência tradicional, vendo-a fundada sob o signo de um
universo de objetos isolados em um espaço neutro:
"O objeto existe sem que o observador/conceptor participe da sua construção
com as estruturas do seu entendimento e as categorias da sua cultura. É
auto-suficiente no seu ser; é, portanto, uma entidade fechada e distinta,
que se define isoladamente na sua existência, nos seus caracteres e nas
suas propriedades, independentemente do ambiente" (MORIN, 1977: 93-94).
A partir da crítica e de uma concepção de tal natureza, surge uma nova
visão de sujeito e objeto, incluindo reconhecimento recíproco e inseparável
entre o mundo e o sujeito pensante deste mundo. Desencadeia, assim, um
movimento auto-eco-organizador, que inclui a capacidade do sujeito que se
transforma e, ao mesmo tempo, transforma a realidade e é por ela
transformado. Esta capacidade humana implica autonomia, individualidade,
reflexão e consciência.
"Assim, o mundo está no interior do nosso espírito e este no interior do
mundo. Sujeito e objeto nesse processo são constitutivos um do outro. Mas
isso não conduz a uma visão unificadora e harmoniosa. Não podemos escapar a
um princípio de incerteza generalizada. Uma nova concepção emerge da
relação complexa do sujeito e do objeto, e do caráter insuficiente e
incompleto de uma e outra noção" (MORIN, 1991:53).
MORIN pretende resgatar o caráter de movimento, de continuidade e/ou
descontinuidade, de deslocamento e de incompletude presentes nesta relação.
Mais do que isso, a perspectiva complexa busca criar novas condições
argumentativas e emancipatórias. Nesta perspectiva, o exercício da
complexidade pressupõe uma noção de sujeito (homem) sustentada na concepção
de que ele é observador-conceptor-observado e que, portanto, é necessário
"transformar não só a idéia de sujeito, mas a idéia de objeto, a idéia de
vida, a idéia de homem, a idéia de ciência, e a partir daí provocar uma
revolução em cadeia, capaz de atingir o paradigma-chave da disjunção
sujeito-objeto" (MORIN, 1980:264).
A disjunção entre sujeito e objeto está relacionada aos pressupostos
fundamentais da ciência tradicional, que privilegia a ordem e a organização
com base na noção de realidade compartimentalizada e, equivocadamente,
pressupõe que o conhecimento das partes permitirá o conhecimento do todo,
ficando evidenciada a supremacia do todo em detrimento das partes. Para
MORIN (1977), parafraseando PASCAL, há uma impossibilidade do conhecimento
das partes sem o conhecimento do todo, assim como conhecer o todo sem
conhecer as partes: "... num holograma físico, o ponto mais pequeno da
imagem do holograma contêm a quase totalidade da informação do objeto
representada" (MORIN, 1991:90). Entretanto, o princípio hologramático só
poderá ser entendido a partir de outros dois princípios: o recursivo e o
dialógico. O princípio recursivo instaura um processo em que há uma
interação permanente e retroativa: "A idéia recursiva é portanto uma idéia
em ruptura com a idéia linear de causa/efeito, de produto/produtor, de
estrutura/superestrutura, uma vez que tudo o que é produzido volta sobre o
que produziu num ciclo ele mesmo auto-constitutivo, auto-organizador e
auto-produtor" (MORIN, 1991:90).
No que se refere ao outro princípio, MORIN diz que pela capacidade
dialógica é possível manter a associação complementar e, ao mesmo tempo,
antagônica e concorrente.
Da conjunção destas noções, o autor propõe a necessidade de complexificar o
pensamento, rompendo com a visão de ordem-organização, resgatando a
vinculação entre conhecimento e multidimensionalidade, de interação entre
ordem e desordem. A partir disto, emerge o Paradigma do Pensamento
Complexo, sendo a complexidade a impossibilidade de isolar totalmente um
fenômeno para compreendê-lo, existindo a necessidade de ligá-lo às suas
articulações naturais.
O Paradigma do Pensamento Complexo representa uma revolução no pensamento,
no questionamento de conceitos fechados, auto-suficientes, unidimensionais
e simplificadores. Para dar consistência argumentativa a este paradigma,
MORIN parte da concepção de que a evolução do próprio universo foi
caracterizado pela turbulência, instabilidade, desvio, improbabilidade e
dissipação energética (MORIN, 1977).
Dessa inferência, percebe-se que a própria evolução foi gestada por
movimentos de degradação/construção e de dispersão/organização. Portanto, é
neste contexto que estabelecer-se-á a relação entre os princípios de
entropia (desordem/desorganização) e de neguentropia
(organização/complexidade).
A trajetória da civilização humana foi marcada, justamente, pela idéia de
interações entre ordem e desordem - gerando organização. Há uma íntima e
complexa relação entre estes componentes, constituindo um processo em
cadeia, pois: "a idéia que nos guiará à partida será a de que não devemos
romper com as nossas circularidades, devemos, pelo contrário, ter o cuidado
de não nos despreendermos delas. O círculo será nossa roda, a nossa estrada
será uma espiral" (MORIN, 1977:22).
Essa espiral será evolutiva e ascendente e delimitará o que o autor
conceitua como anel tetralógico, significando que as interações são
inconcebíveis sem as desordens, desigualdades, turbulências e agitações. O
anel tetralógico significa: a impossibilidade de isolar ou hipostasiar
nenhum destes termos, pois seu sentido é adquirido nas relações mútuas. É
preciso concebê-los como termos simultaneamente complementares,
concorrentes e antagônicos. (MORIN, 1977).
O desencadeamento da construção em espiral do anel tetralógico tem sua
origem na teoria do caos, que é a própria desintegração organizadora. É o
movimento que faz o anel girar, no sentido de estabelecer a relação
ordem/desordem e, ao mesmo tempo, una-complementar-concorrente e
antagônica. Estas categorias estabelecem a dialógica que fundamenta o
Paradigma do Pensamento Complexo.
O Paradigma do Pensamento Complexo cria um novo tipo de junção que não
exclui elementos diversos, mas propõe um novo tipo de unidade, que não é
reducionista, mas um circuito construído pelas vias dos anéis
desencadeados, incessantemente, que formam o seguinte polianel:
Desordem Interação
Ordem
Organização
Complexidade
Concorrência
Antagonismo
Sujeito
Objeto
A configuração do Paradigma do Pensamento Complexo indica que utilizá-lo
não é uma tarefa fácil e é nisto que reside o próprio desafio da
complexidade: "a dificuldade de permanecermos no interior de conceitos
claros, fáceis, distintos, para concebermos a ciência, o conhecimento, o
mundo e a relação deles conosco e com os outros" (MORIN, 1977:19).
Nesta perspectiva, a construção de um quadro referencial com base no
Paradigma do Pensamento Complexo significa concebê-lo como possibilidade de
vislumbrar-se com consistência o objeto deste estudo: o pluralismo na
formação profissional. O pluralismo pressupõe o entendimento de que a
realidade é organizada de forma complexa, por múltiplos elementos que se
articulam em relação, ora ordenada, ora desordenada. O pluralismo "trata de
estabelecer e instigar esferas de coabitação, saberes reconstrutivos e
lugares reciprocamente fecundantes" (PORTELLA, 1993:6).
Dessa forma, a utilização do referencial da complexidade/pluralidade
implica novo teorizar e praticar, assentados em categorias principais:
* ORDEM/DESORDEM - Sendo esta uma forma de organização totalitária e
não-estruturada, assentada em constantes mudanças que garantem movimentos
de contradição, superação e interpenetração. A desordem alimenta a
constituição e o desenvolvimento de fenômenos organizados.
"A desordem não é uma entidade em si, é sempre relativa a processos
interacionais, transformadores ou dispersivos. Não existe uma desordem,
existem várias desordens, entrelaçadas e interferentes: existe desordem na
ordem. Existe ordem na desordem" (MORIN, 1977:75).
A ordem, por sua vez, deixou de ser una, pois surge a partir da desordem e
vai materializar-se como conseqüência das interações e das novas
organizações. A relação entre ordem e desordem necessita de três noções
mediadoras: a interação, a transformação e a organização.
Para MORIN, a organização "é a disposição de relações entre componentes ou
indivíduos, que produz uma unidade complexa. A organização liga, de modo
inter-relacional, elementos ou acontecimentos ou indivíduos diversos que, a
partir daí, se tornam componentes dum todo" (MORIN, 1977:101). A idéia de
organização contém a idéia da inter-relação (entre elementos, indivíduos e
o todo) e a idéia de sistema (como uma unidade complexa do todo
inter-relacionado). Assim, surge o conceito trinitário de
organização-inter-relação-sistema.
* UNO-MÚLTIPLO - Existe uma pluralidade dentro do uno, pois a unidade é um
momento de organização entre as diferenças e convergências sendo,
posteriormente, desordenada (multiplicada) para atingir uma nova unidade
(momentânea).
* UNO-DIVERSO - Ao se valorizar o uno, se desvaloriza o diverso e,
portanto, há uma redução/fragmentação que rejeita o diverso como realidade
concreta e o uno como princípio abstrato. É preciso apreender o uno na
diversidade e a diversidade no uno. Há uma dialógica entre unidade e
diversidade, sendo elas noções antagônicas, concorrentes e, também,
complementares.
* UNO-COMPLEXO - É a decorrência da idéia da existência do uno/múltiplo e
do uno/diverso, é uma complexidade que associa em si a idéia da unidade e
da diversidade através do estabelecimento de relações.
"A complexidade surge, portanto, no seio do uno e, ao mesmo tempo, como
relatividade, relacionalidade, diversidade, lateralidade, duplicidade,
ambigüidade, incerteza, antagonismo e na união dessas noções que são, umas
em relação às outras, complementares, concorrentes e antagônicas" (MORIN,
1977: 141).
A reflexão crítica destas categorias, oriundas do Paradigma do Pensamento
Complexo, possibilitou a reconstrução de categorias que complementam este
estudo, tais como: teoria/prática, crítica/alienação, possibilidade/
limitação e totalidade/fragmentação.
2.2. Aspectos Metodológicos
Neste trabalho, partimos do entendimento de que existe uma variedade de
concepções de ciência e, portanto, de construção do conhecimento. Diante
desta realidade torna-se imprescindível a indicação da concepção cientifica
adotada neste trabalho, pois: "a pesquisa, enquanto análise da realidade, é
um trabalho de desvendamento do real que exige, fundamentalmente, um
trabalho de razão em termo do manuseio das teorias, da articulação
conceitual" (CARVALHO, 1992:51), não existindo a possibilidade de tratar as
informações sem uma eleição epistemológica.
Partindo dessa visão, este trabalho concebe a ciência a partir das idéias
orientadas pelo Novo Espirito Científico, preconizadas por BACHELARD (1968)
e das premissas oriundas do Paradigma do Pensamento Complexo, de MORIN
(1977). Destes autores, retiramos a noção de totalidade presente na
construção do objeto de estudo, explicitada a partir de elementos
epistemológicos orientadores. Entre estes elementos, destacamos: a
vigilância, a recorrência e o corte epistemológico (BACHELARD, 1968). A
vigilância se refere a uma atitude reflexiva sobre o método da descoberta
científica; a recorrência permite a compreensão do dever real da ciência e
o corte epistemológico é a efetiva adoção da atitude científica em oposição
à pré-científica ou de senso comum. BACHELARD (1968) parte do entendimento
da ciência como um produto do espírito humano, gerada pelo homem e baseada
nos aspectos: subjetivo e objetivo. O aspecto subjetivo se refere à
elaboração da ciência como produto do homem e o aspecto objetivo é dado
pela realidade. A mediação entre ambas é dada pelo projeto, que é a
construção teórica da realidade a ser pesquisada e, portanto, implica a
inclusão do homem e do fenômeno a ser estudado.
Para BACHELARD, a ciência é produzida de acordo com leis do nosso
pensamento e adaptada ao mundo exterior.
MORIN aponta para as "fragilidades" do processo de construção do
conhecimento, alicerçado na idéia de que: "a cientificidade é a parte
emersa de um iceberg profundo de não-cientificidade. A descoberta de que a
ciência não é totalmente científica é, a meu ver, uma grande descoberta
científica" (MORIN, 1983: 18).
Com esse entendimento, MORIN alerta-nos para a complexidade que envolve o
processo de construção do conhecimento e indica que esta construção
tornar-se-á viável através de uma revolução do pensamento, pois, até então,
a ciência tem se caracterizado como resultado de pensamentos reducionistas
e simplistas. Neste sentido, propõe a instauração do Pensamento Complexo
como uma tentativa de ligar o que vem sendo, historicamente, separado e em
busca da construção de um conhecimento multidimensional em detrimento
daquele simplista, disjuntivo e reducionista.
Partilhando desta visão, iniciamos o processo de construção de nossa
trajetória metodológica de estudo que contemplou movimentos que buscaram a:
"arte de associar pelo diálogo, qualidades complementares, antagônicas e
concorrentes; de análise e de síntese; concreto e abstrato, de compreensão
e explicação; de elaboração de quase-hipótese a partir das informações
adquiridas, incluindo a curiosidade, o desejo e o prazer de conhecer,
emancipando-se de necessidades imediatas" (AZEVEDO e SOUZA, 1996:2).
O processo empreendido neste trabalho, através da reconstrução de premissas
iniciais do estudo, buscou uma efetiva evidência da problematização do
real.
Perpassando essas idéias, é que foi realizada a construção da metodologia,
pressupondo o entendimento de que "metodologias são guias a priori que
programam as investigações, incluindo as estratégias que se reconstroem ao
longo da trajetória, compreendendo descoberta, invenção e consciência das
distorções que operam ao dialogarem com o real" (AZEVEDO e SOUZA, 1996:1).
Fica evidenciado que a metodologia é construída/reconstruída à medida que a
construção teórica da problemática do estudo vai se aproximando do objeto a
ser pesquisado e da apropriação qualitativa do referencial teórico que
ilumina este encontro entre o racional e o real. As teorias (...) "são
objetivas, são subjetivas - objetivas: tratam dados objetivos, mas são
construções, sistemas de idéias que se encontram aplicadas ao mundo real
para detectar-lhes as estruturas invisíveis" A ciência se interessa "pelo
que está escondido por trás dos fenômenos. E, cito uma vez mais BACHELARD:
só há ciência do oculto" (MORIN, 1983:17).
Sustentados por esse entendimento e aliados ao referencial moriniano, foi
objetivado o rompimento da visão dual entre sujeito e objeto, optando-se
por uma abordagem que contemple a dialética que evidencia as contradições e
mediações. Outrossim, buscou-se o estabelecimento de uma circularidade
entre ambos, visando o que MORIN (1977) denomina de espiral:
"o desenvolvimento de projetos de pesquisa implica aprendizagem como
processo evolutivo em espiral ascendente, como construção personalizada na
qual os outros também têm participação em uma relação intensa entre
construção pessoal e interação social. Significa elaborar representação
pessoal sobre um objeto da realidade, aproximando-se este objeto com a
realidade da qual é observado, considerando-se os interesses e
conhecimentos prévios, modificando aspectos e interpretando o novo de forma
singular, integrando-o e estabelecendo relações" (AZEVEDO e SOUZA,
1996:5-6).
Nessa direção foi considerado relevante o registro do processo de
construção desta pesquisa, a fim de facilitar ao leitor o acesso a este
exercício, evidenciando os primeiros elementos presentes assim como o
processo de desconstrução/construção do conhecimento. Salientamos que esta
construção foi circular e levou à compreensão de que: "o mundo do cientista
é tanto qualitativamente transformado como quantitativamente enriquecido
pelas novidades fundamentais de fatos ou teorias" (KUHN, 1978:27).
No primeiro exercício de aproximação com o real, foi conceituada a
categoria central e, a partir dela, indicadas as hipóteses ou prováveis
explicações para o problema a ser investigado: Como o pluralismo tem
repercutido no processo de formação das Faculdades de Serviço Social, do
Rio Grande do Sul, no período de 1982 a 1996?
QUADRO 1: DIAGRAMA DA PROBLEMÁTICA DO ESTUDO
A partir da configuração das premissas julgou-se relevante explicitar
concepções iniciais, em relação ao pluralismo e à realidade vivenciada nas
unidades de ensino. Entretanto, pela sua própria estruturação, na fase
posterior à coleta de dados, e alicerçados de forma mais sólida, teórica e
praticamente, sentiu-se a necessidade de ampliação da visão que, até então,
vinha orientando a pesquisa. Durante o contato com o real e no processo de
orientação, houve a aproximação com a metodologia, em uma perspectiva de
complexidade, considerando-se que é difícil compreendê-la, não por ser
complicada, mas porque:
"Todo o paradigma novo a fortiori um paradigma de complexidade, surge
sempre como confuso aos olhos do paradigma antigo, dado que associa aquilo
que era evidentemente repulsivo, mistura aquilo que era essencialmente
separado, e quebra aquilo que era logicamente irrefragável. A complexidade
descaminha e desconcerta porque o paradigma reinante nos torna cegos para
as evidências que não pode tornar inteligíveis" (MORIN, 1977:348-349).
Todavia, buscamos uma aproximação com uma metodologia de complexidade a
partir da própria complexidade. Para facilitar este trânsito, utilizamos a
construção de AZEVEDO e SOUZA (1996) que traduz a leitura da realidade a
partir dos movimentos metodológicos: SENSIBILIZAÇÃO, TRADUÇÃO,
DESCONSTRUÇÃO/CONSTRUÇÃO, RECONSTRUÇÃO, AVALIAÇÃO DA SÍNTESE E PROPOSIÇÃO.
( Figura 1)
FIGURA 1: Movimentos Metodológicos Básicos
SUJEITO
AUTO-ORGANIZAÇÃO
PROPOSIÇÃO
SENSIBILIZAÇÃO
PARADIGMA DO
AVALIAÇÃO DA PENSAMENTO
TRADUÇÃO
SÍNTESE COMPLEXO
RECONSTRUÇÃO
DESCONSTRUÇÃO/
CONSTRUÇÃO
ORDEM./DESORDEM
ORGANIZAÇÃO
OBJETO
Elaborado por Ana Lúcia Maciel
O movimento de SENSIBILIZAÇÃO implicou o rompimento com o olhar
simplificador e pressupôs:
o exercício de construção científica do objeto de estudo, desencadeado a
partir do interesse em conhecer e pela busca da descoberta da realidade a
cerca da temática deste estudo;
a compreensão de autoria do próprio projeto e atenção ao conhecimento
sincrético, pela emergência do pensamento reflexivo que norteou a
elaboração deste estudo. O interesse pelo pluralismo na formação
profissional originou-se, ainda, na graduação, quando me defrontei com as
múltiplas formas de intervir na realidade social e, por outro lado, pelas
dificuldades de constituir a identidade da profissão de Serviço Social.
Percebia-se que estas constatações mereciam atenção especial, para
efetivação de um projeto mais sólido para a profissão, uma vez que a
convivência com a existência de múltiplos projetos profissionais não
caminhava com a sua discussão, mas com uma espécie de tolerância.
Posteriormente, ao iniciar o exercício da docência, deparei-me, novamente,
com esta questão através das falas (na sua maioria com uma conotação
negativa) dos próprios alunos, explicitando a existência de múltiplos
projetos, posições e, também, contradições nas falas e na transmissão de
conteúdos por parte dos docentes e da unidade de ensino. A partir destas
constatações, vislumbrei a necessidade de encaminhar um estudo que pudesse
contemplar estas questões, mas que garantisse a multiplicidade como
expressão concreta da realidade que envolve o Serviço Social.
Por outro lado, a inserção no Comitê das Escolas de Serviço Social
possibilitou uma troca com as demais UESS do RS e, também, com as
discussões encaminhadas pela Associação Brasileira de Ensino de Serviço
Social-ABESS a cerca da revisão do Currículo Mínimo de Serviço Social e que
contemplavam a questão do pluralismo, visto como necessidade a ser
garantida pelo novo currículo.
A TRADUÇÃO pressupôs a "configuração mental formando uma visão objetiva do
real, incluindo uma apropriação subjetiva da visão objetiva" (AZEVEDO e
SOUZA, 1996:3).
O movimento de DESCONSTRUÇÃO/CONSTRUÇÃO, constituiu-se de:
recorte da temática e sua problematização;
estabelecimento de hipóteses ou premissas;
definição de objetivos;
resgate crítico da produção teórica. Esta etapa pode ser visualizada
durante todas as partes deste trabalho e foi elaborada através da
identificação de diferentes perspectivas de análise, da explicitação de
conclusões de trabalhos anteriores e da indicação de premissas de
acréscimos. Além disto, possibilitou o levantamento de material da
realidade, utilizando o acaso como descoberta no processo de pesquisa;
estruturação da metodologia e análise crítica dos dados. Uma das instâncias
que propiciaram nossa aproximação com o objeto de estudo foi o resgate da
historicidade, a realização de entrevistas semi-estruturadas (Anexo 1),
constituídas por perguntas abertas, com docentes das UESS. Este
procedimento foi adotado no período que compreendeu os anos de 1995 e
início de 1996, em que foram entrevistados vinte docentes de quatro
unidades do RS, escolhidos de forma aleatória.
A análise das entrevistas foi realizada através da utilização da análise de
conteúdo proposta por PAGÉS, BONETTI e GAULEJAC (1990). Para os autores, a
análise de conteúdo é: "uma estrutura provisória que permite passar dos
primeiros esboços teóricos, rígidos e simplistas." (PAGÉS, BONETTI e
GAULEJAC, 1990:190).
Assim, para concretizarmos a análise de conteúdo, foram desenvolvidas as
seguintes fases: leitura global e leituras sucessivas de cada entrevista;
leitura dos projetos pedagógicos das unidades de ensino e demais
documentos; identificação dos indicadores potenciais de tema; identificação
dos temas; classificação das categorias e sub-categorias (em todos
instrumentos utilizados - anexo 2); identificação das relações nas
sub-categorias, explicitando contradições e mediações (análise intra e
inter-discurso) e utilizando-se as próprias expressões dos sujeitos
(extratos ilustrativos das entrevistas e dos projetos pedagógicos).
Dentro dessa configuração metodológica, identificamos como unidades de
discurso aspectos que se relacionavam as nossas premissas iniciais: a
concepção de formação adotada pelas UESS, a questão da direção social e a
noção de pluralismo.
O discurso dos sujeitos pressupôs a consideração de seu caráter coletivo,
pois tratar-se-á: "de um discurso coletivo quando remeter às contradições
subjacentes. Qualquer aproximação entre os fragmentos do discurso de
indivíduos diferentes a legitima, pois esclarece semelhanças,
complementaridades e circuitos paralelos." (PAGÉS, BONETTI e GAULEJAC,
op.cit.:206-207).
Outra instância de aproximação com o real foi leitura e análise dos
Projetos Pedagógicos das UESS pesquisadas e o material oriundo das
discussões em âmbito estadual, regional e nacional sobre a revisão do
currículo de Serviço Social, sistematizadas pela ABESS. Assim:
FASES DA DESCONSTRUÇÃO/CONSTRUÇÃO
DO OBJETO DE ESTUDO
ETAPA 1: RECORTE DA TEMÁTICA E SUA PROBLEMATIZAÇÃO
- Estabelecimento de premissas do estudo;
- Definição dos objetivos;
- Resgate crítico da produção teórica.
ETAPA 2: ESTRUTURAÇÃO DA METODOLOGIA
- Instrumentos de Pesquisa (Instâncias de aproximação com o real)
1. Entrevistas com 20 docentes de 4 UESS do Rio Grande do Sul
2. Projetos pedagógicos dessas UESS
3. Leitura de materiais referentes ao novo projeto de formação profissional
do Serviço Social.
ETAPA 3: ANÁLISE CRÍTICA DOS DADOS
Para a análise das entrevistas e dos projetos pedagógicos foi utilizada a
proposta de análise de conteúdo de PAGÉS, BONETTI e GAULEJAC (1990) que
contempla os seguintes passos:
1. identificação das passagens significativas (indicadores potenciais de
tema);
2. classificação das unidades com referência ao seu tema (mapeamento de
categorias e subcategorias);
3. identificação das relações com os subtemas dentro da própria unidade e
com as demais unidades.
A RECONSTRUÇÃO possibilitou a junção da construção teórica realizada pelo
pesquisador e a realidade a ser investigada e traduzida pelos dados
coletados. Esta etapa incluiu:
"leitura intratópico, vontade cognitiva de respeitar a complexidade de
fenômenos e informações diversas e documentos contraditórios, reconstrução
histórico-social. Leitura do implícito por meio de leituras intertópicos,
discutindo sobre mediações e contradições, reconstruindo a configuração
global a partir dos indícios fragmentários e análise crítica das
implicações." (AZEVEDO e SOUZA, 1996:4).
A AVALIAÇÃO DA SÍNTESE incluiu movimento de retorno reflexivo e construtivo
da realidade pesquisada e da construção teórica empreendida à luz do
Paradigma do Pensamento Complexo, possibilitando, pela argumentação e
reformulação das idéias (pré-concebidas e originadas da pesquisa) a
explicitação de acréscimos sobre o conhecimento anterior, considerando as
diferentes possibilidades, o imprevisível e o conhecimento do conhecimento.
A PROPOSIÇÃO foi a etapa finalizadora da construção do objeto de estudo,
que traduziu a descoberta da necessidade de instaurar e garantir o
pluralismo em todas as instâncias da formação profissional e, também, de
enfrentamento da crescente complexificação da realidade que circunda todas
as esferas da vida humana.
Partindo desta metodologia, reconstruímos as categorias iniciais do estudo
e, conseqüentemente, emergiram novas categorias oriundas do real (Figura
2).
FIGURA 2: Instâncias de Emergência do Estudo
Instâncias de Emergência
Pluralismo na Formação Profissional do Assistente Social
Categorias
Pré-Estabelecidas Emergentes
ordem/ desordem uno/ múltiplo uno/ diverso uno/ complexo teoria/ prática
crítica/ alienação possibilidade/ limitação totalidade/ fragmentação
Elaborado por Ana Lúcia Maciel
2.3. Entendimento de Formação Profissional dos Sujeitos da Pesquisa
Dos dados levantados junto às UESS do RS, foi elaborada uma síntese de cada
Unidade, centrada na: concepção de formação adotada, direção social
assumida, entendimento de pluralismo, que apresentaremos a seguir. Com
estes dados, foi possível configurar a realidade das UESS e, tendo em vista
o novo currículo aprovado, apontar os desafios para sua concretização. De
posse destes dados, ficou evidenciado em que medida o pluralismo tem sido
uma abordagem de complexidade para estas UESS.
* Síntese das Falas da Unidade A
O conjunto dos discursos dos docentes entrevistados, no que refere à
concepção de formação adotada por esta Unidade, pode ser traduzido a partir
do entendimento centrado na busca pela formação de um profissional crítico,
competente, capaz de atuar nas diferentes áreas da realidade e, além disto,
criativo, pesquisador e produtor de resultados na realidade em que está
inserido. Paralelamente, esta formação pressupõe a formação para a
cidadania, a preparação para o mercado de trabalho para o desenvolvimento
profissional. Estes elementos são viabilizados a partir do objetivo do
curso que, de acordo com o depoimento desta docente1 implica:
"...formar um cidadão, um profissional comprometido e competente para
desempenhar as suas funções e o seu papel profissional no Serviço Social.
Que dê respostas para as questões sociais, que desenvolva e possa
participar de toda uma discussão nas relações sociais" (extrato de
entrevista).
Esse depoimento evidencia um conhecimento dos objetivos explicitados no
Projeto Pedagógico do curso que pretende: "formar um profissional
habilitado para a prática educativa-política do trabalho social-produtivo e
participativo - porque crítico (reflexão-pesquisa) da realidade das
relações sociais" (Projeto Pedagógico da Unidade A, 1993:10) e há uma
ampliação deste objetivo, a partir do discurso dos docentes, extrapolando
aquela expressa pelo projeto pedagógico da universidade. Entretanto, quanto
ao perfil profissiográfico do curso desta Unidade, fica evidenciada a
preocupação em relação às habilidades e aos conhecimentos necessários para
o futuro profissional. Esta unidade, no seu projeto pedagógico, aponta a
busca do desenvolvimento de:
- habilidades na busca da formação de profissionais pesquisadores que
considerem o aspecto histórico articulado a uma atitude de abertura ao
novo, gerando a consciência da necessidade de desenvolvimento permanente e
sem "deslumbramentos" com paradigmas que preconizam a participação; a
coletividade e a consciência crítica; que seja: "um profissional
educador-multiplicador apto a ensinar, supervisionar e orientar na formação
de novos profissionais no âmbito do Serviço Social. " (Projeto Pedagógico
da Unidade A, 1993:29-30); Conhecimentos referentes a: "valores, crenças e
propostas; teorias, métodos e instrumentos coerentes com estas visões;
atividades, programas, planos, pesquisas, que esclareçam intervenções
deliberadas e responsáveis" (op.cit., p.31).
Na análise do projeto pedagógico fica evidenciado um posicionamento que
privilegia a atenção à necessidade de reflexão crítica sobre posições
paradigmáticas em caráter de atratividade face à realidade social, o que
traz implicações relevantes para o processo de formação, apresentando
coerência com os objetivos estabelecidos. Entretanto, ao mencionar a
necessidade de abertura ao novo, apresenta incoerência, no sentido de
enfatizar "sem censuras de qualquer espécie" (op. cit.31), o que pode
trazer implícito o desejo de neutralidade (resquício de ordem positivista).
Apesar de explicitado no projeto pedagógico dessa Unidade, as falas dos
docentes indicam tensões presentes entre o perfil que se quer formar e a
realidade do curso, demonstrando a complexidade que envolve este processo
de formação.
"De dois anos para cá, eu acho que a coisa está se diluindo. Sabe, nós
estamos perdendo a visão do todo da formação. Não por nós, mas pelo
contexto, pelos fatos do transcorrer do curso..." (extrato de entrevista)2.
Esse ato de fala do entrevistado evidencia que o ideário do curso se
apresenta dissociado das práticas do docente, evidenciando a contradição
entre teoria/prática e priorizando as partes embora o desejo seja de
unidade (totalidade/fragmentação ) em detrimento da uno-complexidade.
Os docentes entrevistados expressam preocupações significativas com a
formação e que podem ser explicitadas tanto no que se refere ao contexto
administrativo/pedagógico do curso/universidade, quanto ao contexto social
onde a universidade está inserida. Assim, algumas "tensões" podem ser
apontadas no processo de formação instaurado por esta universidade e
verbalizados da seguinte forma:
"No momento estamos bastante fragilizados, se fica pensando que tipo de
aluno eu quero formar, que a instituição quer e que o aluno quer. Acho que
tem um outro detalhe: nós estamos enfrentando situações sociais e
econômicas que estão influenciando diretamente o corpo da instituição, mas
também nos nossos alunos, que é a questão do emprego, do desemprego, dos
baixos salários e eu não consigo dissociar essas coisas do nosso cotidiano
e da formação" (extrato de entrevista)3.
"...a universidade é um negócio e o seu objetivo final não é o de
operacionalizar essa concepção de formação e, por isso, é contraditório
pensar em concepção de formação se ela é uma mercadoria" (extrato de
entrevista)4.
Esses atos de fala indicam a situação peculiar das universidades privadas
que geram e vivem contradições no processo de inserção na sociedade.
"Atender aos setores mais carentes de recursos próprios organizando
serviços de caráter gratuito, que atingem diretamente as categorias sociais
mais necessitadas" (Projeto Pedagógico da Unidade A, 1993:9).
Ao analisar a realidade da extensão universitária dessa unidade, há
concretização desses princípios, mas no processo de formação para o mercado
de trabalho o aluno é considerado um "cliente" e, portanto, a relação
estabelecida é a da compra/venda, ou seja, da educação como mercadoria.
(teoria/prática)
Esses depoimentos indicam fragilidades presentes na formação profissional e
demonstram que para entendê-la é preciso situá-la no contexto social mais
amplo, ou seja, a própria realidade social. Assim, é a partir do real, das
suas contradições/mediações e reproduções/reduções que é possível inserir a
análise do processo de formação do Assistente Social .
No que se refere à direção social do curso, foi evidenciada a inexistência
de uma definição e, quando ela existe, é resultado de uma opção individual
do docente e que, portanto, não expressa o posicionamento coletivo da
Unidade:
"Se existe alguma opção ela é individual, dos próprios componentes do corpo
docente e não do curso, como tal. Não vejo nenhuma preocupação do curso
neste sentido" (extrato de entrevista) 4.
"Eu não sei te dizer, de fato, para mim, isto está confuso, não está claro.
apesar de se discutir, de se ter falado e de até a Unidade ter uma proposta
para levar agora para a discussão do novo currículo, mas eu acho que não
está claro para mim e nem para o corpo docente" (extrato de entrevista)1.
A análise do Projeto Pedagógico do curso não expressa a adoção de uma
direção social, mas indica que compartilha dos parâmetros expressos pelo
Estatuto da Universidade que enfatiza o desejo de oferecer: o ensino
superior em diferentes campos do conhecimento humano; promover a pesquisa e
o desenvolvimento cultural, estendendo à sociedade serviços indissociáveis
das atividades de ensino e de pesquisa; confrontar a tradição cristã com
outras concepções propondo-a como alternativa de interpretação do sentido
da existência humana; promover a formação integral da pessoa humana em
conformidade com a filosofia educacional e a assimilação dos valores
culturais, desenvolver o espírito crítico e promover a compreensão e
cooperação internacional, disseminando conhecimentos (Unidade A.
Ordenamentos Institucionais, 1990).
Com relação ao pluralismo é possível apontar discursos que o situam como
estimulador de uma interlocução entre idéias, teorias e/ou formulações
teóricas e, também, como uma nova postura profissional permeada pelo
diálogo, confronto de idéias e busca do aprimoramento deste conhecimento.
Em síntese, o pluralismo traz como contribuição principal:
"A aceitação e criação de uma consciência da existência de vários projetos
teóricos ou de várias formulações teóricas e que se tem que ter consciência
que isto existe e reconhecer dos interlocutores o direito a uma postura
diferente da minha e que eu tenho que respeitar a posição deles, assim como
eles, a minha. Mas não deixar de estabelecer a interlocução ou seja, o
confronto, o debate de idéias teóricas porque é um enriquecimento
profissional e do próprio conhecimento de ciência, é um avanço. Quero
dizer, esse dialogar, essa troca, debate de idéias, teorias, é a maior
contribuição" (extrato de entrevista)3.
"...começar a ampliar esses novos conhecimentos e trazer possibilidades,
alternativas e novas criações. Eu acho que tá ai o pensamento científico
presente no pluralismo. É a nossa ansiedade por saber mais, por ser mais
capacitados, profissionais realmente qualificados" (extrato de
entrevista)2.
Os docentes apontam, ainda, para a impossibilidade do conhecimento único,
do dogmatismo presente no Serviço Social e, em conseqüência, de um certo
distanciamento do profissional no que se refere ao debate com as demais
ciências.
"É claro que o termo eclético também saiu fora de moda e foi substituído
pelo pluralismo ..." (Extrato de entrevista)1.
"Eu sou contra dizeres que isso está descartado, não presta, isto é o
melhor, como se dizia antes, o funcionalismo é melhor e o resto não serve.
Eu sou contra isso, eu acho que todas as teorias são sólidas, todos os
métodos tem o seu valor. O pluralismo para mostrar que é possível juntar
teoria e métodos para melhorar a tua prática e, ainda, que o Positivismo dá
lugar para a fenomenologia e, depois, para o marxismo, sucessivamente"
(Extrato de entrevista) 3.
Estes atos de fala revelam a confusão existente entre ecletismo e
pluralismo, considerando-os como termos equivalentes. E, ainda, indicam que
a existência de diferentes paradigmas provêm da sobreposição de um sobre o
outro, sinalizando desconhecimento epistemológico dos mesmos.
* Síntese das Falas da Unidade B
As entrevistas realizadas com os docentes da Unidade B, no que se refere à
concepção de formação adotada pela Unidade, apontam para a busca de um
profissional crítico, habilitado para realizar leitura da realidade, capaz
de argumentar e de questionar a própria prática profissional. Assim, a
Unidade busca a instauração de competência, expressa no domínio da teoria,
da técnica e da política. No campo político:
"Tem que ter a capacidade de ter a crítica, não a crítica por ela mesma,
mas a crítica que é a mola que fazendo pensar no que está acontecendo,
refletir e voltar com uma ação fundamentada" (extrato de entrevista)5.
Esta visão aponta para o perfil profissiográfico que o curso almeja
concretizar e que pretende formar: sujeitos ativos de seu desenvolvimento
pessoal, político, social e cultural; desenvolvendo uma visão pluralista de
mundo, evitando um ecletismo simplista e uma seriedade no domínio das
teorias sociais, preparando-se para um compromisso profissional competente
com capacidade: "para ler e entender a sociedade e nela intervir de acordo
com o seu saber específico, cumprindo as competências previstas na
regulamentação da profissão" (Projeto pedagógico da Unidade B, 1995:5).
Ainda, de acordo com este projeto, expressa-se como finalidade precípua do
curso que é a: "A construção de uma sociedade mais justa passa,
necessariamente, por uma visão pluralista de mundo, necessidade fundamental
para um espaço de liberdade e de democracia, o que supõe a formação de
profissionais críticos e comprometidos com a sociedade na qual irão atuar"
(Projeto pedagógico da Unidade B, 1995:4).
Contudo, de acordo com o depoimento dos próprios docentes com relação à
formação oportunizada pela Unidade, há uma carência ou um descompasso entre
a capacidade teórica do aluno formado e sua capacidade de
operacionalização, que ainda é bastante precária. (crítica/alienação)
"Acho que ainda falta alcançar é essa questão da operacionalização, acho
que isso ainda é uma questão que para mim é um encontro com a questão
metodológica do Serviço Social. É a busca de instrumentos, é conseguir
operar com este instrumental é fazer e, também, criar em cima desses
instrumentos." (extrato de entrevista)6.
Salientam os entrevistados que esta dificuldade vivenciada pelo curso foi o
que desencadeou o processo de revisão curricular do curso (aliado ao
reordenamento da Universidade), pois foram diagnosticados: formação
profissional com vivência fragmentada e deficiente; desarticulação das
disciplinas; inadequação do currículo às demandas da sociedade;
deficiente relação ensino, pesquisa e extensão; dicotomia entre o que se
ensina e aprende com a realidade vivenciada (Projeto Pedagógico da Unidade
B: 1995 ).
A exemplo da unidade anteriormente apresentada, há preocupação com a
questão estrutural do próprio ensino da Universidade como um todo; isto
fica explicitado à medida que a universidade não é o único campo de
trabalho do professor, o que implica a limitação para discussão do próprio
projeto pedagógico.
"... é claro que tem toda a questão do próprio ensino, dos professores que
não tem tempo integral, são horistas, isso é uma dificuldade muito grande.
E dos alunos, que também não tem o costume de ir para a Universidade e
participar dela" (extrato de entrevista)7.
Outra dificuldade apontada é a de serem os alunos de Serviço Social, na sua
maioria, trabalhadores:
"É uma característica que não é exclusiva do nosso curso, mas isso
contribui um pouco nesse perfil da própria profissão. Por ser, a maioria
oriunda da classe trabalhadora, então são alunos que já tem maturidade
pessoal, já tem o convívio com o dia-a-dia e, então, torna ele mais
sensibilizado para captar o que está acontecendo e ficar mais sintonizado
com a realidade. Mas, por outro lado, isso também é um fator que dificulta
por que é um aluno, que estuda pouco, porque ele trabalha durante o dia e
tem aula à noite. É um aluno que tem que estar estimulado. A queixa dele é
que tem muito material para ler, que tem muita coisa para fazer e, então,
fica também na nossa cabeça, a noção de defasagem no domínio do
conhecimento e, em conseqüência, da prática esvaziada de teoria" (extrato
de entrevista)8. (possibilidade/limitação)
Esses elementos (fragilidades diagnosticadas, estrutura do ensino e perfil
do alunado) constituem desafio a ser enfrentado por essa unidade, uma vez
que estes elementos estabelecem, entre si, uma relação do antagonismo e,
portanto, de possibilidade de complementaridade.
Quanto à direção social do curso, os docentes explicitaram a adoção dos
princípios pautados no próprio Código de Ética da profissão, ou seja, busca
pela dignidade, justiça social, democracia, direitos humanos e
solidariedade, sendo que a forma do atingimento destes princípios é a
adoção da matriz marxista.
"A gente tinha como primeiro entendimento, que a direção social era pautada
em um paradigma. Com as discussões, ficou claro que ela está dada pelo
Código de Ética, que luta pelos direitos sociais e que deixa claro que é
através deste paradigma (Marxismo) que vamos fazer isso" (extrato de
entrevista)7.
"Esta definição aconteceu em 1994. Foi uma discussão difícil, muito
difícil, porque exigiu assumir posições e exposição de todo o grupo. Então,
foi muito difícil chegar a essa conclusão, acho que foi um processo de
amadurecimento do grupo como um todo" (extrato de entrevista)8.
Nesses trechos de depoimentos, fica evidenciada a consciência do paradigma
que alicerça o ideário e a prática do assistente social.
Com relação ao pluralismo, há o entendimento de que ele seja um
posicionamento e uma contribuição relevante no processo de construção de
conhecimento.
"O pluralismo, para mim, é uma postura e é por isso que exige uma atitude
de abertura de novos conhecimentos, de conhecimentos divergentes aos da
gente. Por isso, eu acho que o pluralismo é uma postura e eu acho que é só
a partir dessa postura que se pode realmente ter uma formação plural"
(extrato de entrevista)5.
É a partir da adoção de posicionamento pluralista que, de acordo com os
depoimentos, se pode chegar a um posicionamento crítico e que permita o
confronto com as divergências existentes na profissão. Entretanto, o trecho
de depoimentos abaixo, evidenciam a contradição entre teoria/prática:
"O aluno tinha muito medo de enfrentar uma banca, quando não fizesse um
trabalho que não fosse dentro do referencial crítico. Acho que há, por
parte dos professores, resistência a trabalhos que não sejam da sua mesma
matriz teórica" (extrato de entrevista)6.
"Não há possibilidade de radicalizar somente uma explicação. Não existe só
uma verdade. Se tem uma posição, se tem um projeto, se sabe onde quer
chegar, então vamos ver o que pode ser associado, o que pode colaborar e
enriquecer para atingir aquele fim." (extrato de entrevista)8.
"...não é radicalização que vai dar conta disso que nós buscamos, eu acho
que isso não é só o Serviço Social que vive. Eu acho que é o próprio
movimento da ciência, que caminha para buscar caminho para entender e dar
conta do que está adiante de nós e, é por isso, que a gente dá tanta
importância para o pluralismo." (extrato de entrevista)6
Nessa perspectiva, evidencia-se que embora o discurso explicite o desejo e
a aceitação da divergência, calcado na posição pluralista, a prática está
gerando posicionamentos dogmáticos e reducionistas ( teoria/prática).
* Síntese das Falas da Unidade C
Nesta Unidade os docentes, ao serem questionados sobre a concepção de
formação adotada, explicitaram que há uma preocupação em que o profissional
venha a ser um cidadão político e consciente do que ocorre na realidade
social. Além disto, o profissional a ser formado pela Unidade C deverá ter
clareza de seus objetivos, ser comprometido com a profissão, ser crítico e
ter conhecimento profundo para realizar uma atuação efetiva. Para tanto,
uma docente aponta que:
"devemos primar por uma formação sólida, que implica diretamente a
construção de um perfil profissional assentado no compromisso e na
competência. Isto será viabilizado pela sua capacidade de ser crítico,
pensante e operante" (extrato de entrevista)
Em consonância com este objetivo, o projeto pedagógico desta universidade
concebe a competência a partir de três níveis: teórico, técnico e político.
"No campo teórico, no domínio das principais matrizes das ciências sociais
e da produção do Serviço Social; no campo técnico, conhecimento das
técnicas investigativas e interventivas, para buscar respostas eficazes às
demandas postas e propor alternativas às emergentes e; no campo político,
implica qualificação para analisar conjunturas, instituições, relações de
forças, vislumbrando possibilidades e intervenção e qualificação da
prática". (Projeto pedagógico da Unidade C, 1996:3-4).
Indica ainda, que este processo de formação deverá contemplar o próprio
docente e a universidade como desencadeadores desta formação, explicitando
a necessidade de qualificação do corpo docente, pois desempenha um papel
construtor essencial.
"tem um papel essencial e construtor no processo de formação. Para tal,
este deve ter clareza da totalidade da proposta do curso, das suas relações
e inter-relações, deve ser competente e compromissado com o processo de
formação profissional e, mais singularmente, com o processo de
conhecimento. Exigindo desta forma, uma qualificação permanente, um
envolvimento com a vida acadêmica e com a própria dinâmica da profissão."
(op.cit.:5-6)
Neste sentido, manifesta-se um entrevistado:
"Trabalhar o professor, pois o ensino não é dicotomizado, ou seja, eu quero
que o aluno saia assim, mas como é que ele vai ser se tu não trabalhares o
professor? Esse professor também tem que ser crítico e que, realmente, seja
um profissional que goste do que está fazendo, com compromisso, competência
e técnica" (extrato de entrevista).
Os docentes, de um modo geral, evidenciaram a compreensão da necessidade de
seu papel ser repensado em razão de uma estrutura comportamentalizada em,
contraponto, com o seu discurso integrador e articulador
(totalidade/fragmentação e uno/complexo).
"A Universidade não é a Universidade. Ela é um conjunto de cursos isolados,
administrados de forma a estarem próximos por alguma definição de alguém,
do tipo: ciências exatas, humanas. Neste sentido, não existe a
Universidade, que sustentaria uma unidade de ações e pensamentos, elas
promovem a "tecnologia" da formação e não o "processo da formação" (extrato
de entrevista)
Entretanto, somente num curso que garante espaços democráticos é que estas
propostas terão ressonância, havendo a necessidade de participação de
alunos e professores e de uma avaliação permanente da realidade, para a
superação e criação de novas alternativas.
Apontam, ainda, a necessidade de assegurar:
"a dimensão interdisciplinar no curso, interligando os conhecimentos das
diferentes áreas do saber, aproximando saberes com diferentes áreas de
origem, mas com direcionamento claro sobre o mesmo objeto de estudo. Um
curso que trate as questões de ensino-aprendizagem a maneira plural,
democrática, mas com rigor, com direção social" (op.cit.:6).
Nesta perspectiva, para pôr em ação estratégias, o curso indica eixos
fundamentais: qualificação profissional permanente com o enfrentamento de
novas demandas que estão postas no cenário para a profissão e a criação de
novas interlocuções e identidade entre o Serviço social e a sociedade civil
(op. cit.:7).
Tangenciando esses elementos, os depoimentos expressam uma preocupação
significativa com relação ao próprio aluno de Serviço Social. Esta
preocupação é revelada pelo fato deste aluno ser oriundo de uma reopção de
curso ou que freqüentou curso supletivo (de 1º e/ou 2º grau) e é
trabalhador. Estas características, no entendimento dos docentes,
dificultam tanto a aprendizagem (leitura) quanto o comprometimento do aluno
com a formação e, além disto, requerem o enfrentamento desta situação por
parte da unidade. (uno/diverso)
"O que o aluno valoriza mais: a Universidade ou o trabalho? Porque ai tu já
começa a ver que tipo de profissional tu vai ter. Porque se ele (aluno)
valoriza mais o trabalho, ele vai fazer o curso muito "por cima". E isto é
dito e feito. Eu me dava tanto para superar isto que, às vezes, eu deixava
de almoçar para dar supervisão. Sabe, aquela coisa bem paternalista e que a
gente tenta reverter" (Extrato de entrevista)10.
A atual proposta pedagógica percebe estes alunos como sujeitos do processo
pedagógico e que, portanto, devem:
"se envolver com seriedade no rumo de sua autonomia intelectual, para tal
sua participação crítica e criativa na qualificação do espaço da sala de
aula, nos estágios, nas instâncias políticas do curso, do movimento
estudantil e da própria Universidade é essencial para a garantia de uma
formação qualificativa". (op.cit.:3)
Na contradição explicitada entre a formação que a universidade pode
oferecer e as reais condições limitadoras dos egressos leva-nos a formular
as seguintes questões: Como conviver com esta realidade? Não seria o caso
da universidade pensar alternativas que propiciem a superação destas
limitações? A universidade ao conviver com esta realidade contraditória
não estaria simplesmente reproduzindo relações sociais mais amplas sem
questionar suas responsabilidades?
Quanto à direção social, os relatos, na sua totalidade, indicam para a
adoção do Marxismo como eixo fundamental do curso, tanto na estrutura
curricular quanto no projeto social do mesmo.
"Entendemos que esta direção social deva ser pluralista, no sentido de
direcionar a formação e o exercício profissional para a análise/intervenção
de e sobre os problemas concernentes as grandes maiorias populares e aos
segmentos populacionais afetados pelas seqüelas das questões sociais.
Entendendo que, teórica e politicamente, tal direção se configura no
privilégio de paradigmas críticos que desvelam os fundamentos da
produção/reprodução social, na vinculação prioritária aos interesses da
classe trabalhadora". (op.cit.:2)
No que se refere ao pluralismo, os docentes referiram-no como uma tentativa
de clarificação das tendências teóricas para o aluno, garantindo sua
possibilidade em, ao conhecê-las, eleger uma delas. Entretanto, um docente
aponta para a dificuldade do aluno em eleger uma vertente teórica, pois:
"90% da nossa cabeça é positivista, é funcionalista ou estruturalista. E
como é que, de repente, com pouca leitura e bagagem teórica, você faz uma
opção? Isso é uma crítica que eu sempre tenho porque eu acho muito difícil
ter feito essa opção quase em um passe de mágica" (extrato de
entrevista)11.
"Para mim está faltando o conhecimento lógico de cada uma das propostas, a
sua raiz histórica, suas modificações ao longo do tempo. E isto, nem na
Pós-Graduação tu consegue, pois eles já estão fechados em uma ou duas
propostas" (extrato de entrevista)10.
Esses atos de fala demonstram a dificuldade em garantir estratégias para
realizar o projeto do curso, pois sua proposta privilegia uma formação
sólida e consistente ao mesmo tempo que a teoria é trabalhada de forma
acrítica e superficial. (teoria/prática)
A Unidade C, a partir de seus profissionais, entende que o pluralismo
permite a visualização do objeto de várias formas e permitindo a descoberta
de diferentes tendências, visões de homem e sociedade. Em função disto,
percebem que é na discussão coletiva que ficarão mais nítidas as
diferenças, e/ou semelhanças. Percebem, também, que esta discussão não pode
estar limitada à profissão, mas que é necessário estimular a troca com
outras áreas do conhecimento em caráter de complementação. E, explicitam a
premência da adoção de um posicionamento pluralista, pois, até o momento, o
que existe: "...é uma espécie de tolerância muito de cortesia, mas não tem
realmente o respeito pela diferença. É algo, ainda, muito segregador"
(extrato de entrevista)11. (crítica/alienação)
Indicam, também, a necessidade de toda Universidade, ser incluída na
discussão sobre questões paradigmáticas, pois:
"se você considerar, realmente, a essência do espírito universitário, você
jamais poderia afastar a questão do pluralismo" (Extrato de entrevista)9.
* Síntese das Falas da Unidade D
A Unidade D através dos depoimentos dos docentes entrevistados aponta para
uma concepção de formação que busca a competência, tanto
teórico-metodológica quanto sintonizada com as demandas da Pós-Modernidade.
Além disto, o profissional a ser formado deverá ter uma visão ampla da
realidade, alicerçada em fundamentação teórica, na crítica e na capacidade
de operacionalizar alternativas ante esta realidade. Busca instaurar um
processo centrado no "saber, saber-fazer e saber ser, mas não de forma
separada e, sim, de forma articulada" (extrato de entrevista)12.
A proposta de formação da Unidade está balizada em diretrizes, que
encaminham para uma formação humanística articulada à científico-técnica;
processo de ensino e de aprendizagem centrados no sujeito-educando e para
respeito ao pluralismo, buscando gerar uma prática profissional como lugar
de conferência do saber humanista-científico com habilidade operativa e
prática por meio do exercício do discernimento crítico e autocrítico
(Projeto Pedagógico, 1990).
Para concretizar esta proposta, o curso traduz a intencionalidade da
formação, apontando para a adoção de um paradigma pedagógico de vertente
humanista. Este paradigma:
"Privilegia o educando como principal mediador do seu próprio processo de
educação que se consolida no desenvolvimento de seu potencial (do educando)
como ser de compreensão e criador, não só de saberes, mas da sua própria
existência e do contexto social em que se insere" (Projeto de Revisão
Curricular da Unidade D, 1993:2).
O discurso dos docentes, entretanto, aponta para preocupações
significativas no que tange à concretização desse paradigma pedagógico.
Está presente, nos relatos, uma preocupação com o perfil do aluno do curso
de Serviço social, pois este perfil oscila entre pessoas ainda na
adolescência e pessoas mais velhas que buscam qualificação para uma
possível troca de função dentro do trabalho. Além disto, está presente a
própria concepção de formação para o Serviço Social desde um vestibular com
menores exigências até a noção de que fazer o curso requer pouco esforço.
No relato abaixo, a docente reproduz a verbalização de um aluno em
sala-de-aula:
"Essa faculdade ... eu não pensava que fosse assim; eu pensava que fosse um
"cursinho". e eu acho que os alunos, ao se darem conta disto, ou desistem,
ou permanecem com consciência de que lhe vai ser demandada capacidade
teórica assim como em qualquer outro curso que requeira teoria para
viabilizar uma prática profissional específica" (Extrato de entrevista)13.
O auxílio na descoberta do curso com uma proposta consistente, exigente e
crítica, pressupõe o exercício da docência com o máximo de rigor
científico. O docente é concebido como:
"Em determinado momento histórico ocorreu o afastamento do papel/autoridade
do professor. A atitude traduzia uma tomada de posição ante à relação de
poder, ocorrendo por vezes, confusão de papéis - assistente
social/professor. Hoje, há um resgate da figura do professor, enquanto
responsável por um maior rigor científico" (Projeto de Revisão Curricular,
1993:4).
"... aquele que desafia o processo de aprendizagem, buscando o rigor,
percebendo todos os paradigmas, sejam eles pedagógicos, políticos,
científicos, como insuficientes para dar conta da complexidade do real"
(Projeto de Revisão Curricular, 1993:4).
No que se refere à concepção de professor, fica evidente que a palavra
autoridade foi utilizada, equivocadamente, como autoritarismo, ao mesmo
tempo em que propõe o desafio do processo de aprendizagem quando deveria
referir-se para o desafio ao sujeito de aprendizagem.
Quanto à direção social do curso, os depoimentos indicam fragilidades na
sua indicação, que são expressas por diferentes elementos. Entre eles,
apontamos a noção de que a direção social do curso é pluralista e que, este
pluralismo, oscila entre a luta pelo predomínio de um referencial teórico
(buscando a hegemonia) e a permanência da garantia do pluralismo apesar
destas divergências.
"... mesmo quando há um certo predomínio do marxismo, há aquela visão
pluralista de respeito às individualidades e às visões de mundo. Acho que
isso que é bom, que é o forte da faculdade. Tenho ido em vários lugares do
Brasil, onde a gente vê em muitos cursos, o conflito, com pessoas se
degladiando e, aqui, a gente consegue esse respeito entre as pessoas"
(extrato de entrevista)14.
"A gente sempre manteve a pluralidade, mas a pluralidade com a hegemonia de
um eixo. Então, como é que eu entendo essa pluralidade? Havia a presença,
até nem vou dizer tolerável, mas nós temos profissionais que pensam
diferente, mas isso não incomoda, até porque a gente tinha estabelecido: ´é
esse profissional que nós queremos formar e pronto´" (extrato de
entrevista)13.
"Sempre houve na faculdade uma certa preocupação de nós darmos uma linha
única, porque aqui é uma universidade x, todo mundo tem que ser x? Não, a
Unidade D não exige de ninguém que seja x. A Unidade D tem uma visão
pluralista, ela não questiona a ideologia de ninguém, tanto que nós sempre
tivemos professores da linha marxista, fenomenológica e positivista. E em
razão disto, a gente tentava conviver e isto sempre foi mal entendido e,
por isto, diziam que nós tínhamos uma visão conservadora" (extrato de
entrevista)14.
"Foi sendo garantida a perspectiva da pluralidade, pela docência de
diferentes tendências metodológicas e por um corpo de profissionais com
diferentes opções dentro destas tendências. Estas diferenças não significam
ausência de crítica, mas sim traduzem-se em uma opção pelo pluralismo"
(Projeto de Revisão Curricular, 1993:3).
Esses trechos de depoimento evidenciam duas perspectivas relacionadas à
direção social de formação: a primeira indica que a aceitação dos
posicionamentos divergentes está dada em razão do respeito ao pluralismo.
E, a segunda indica que o pluralismo é colocado em segundo plano quando o
que se está fazendo é a contraposição, é a luta pela hegemonia de um eixo.
Ambos os relatos indicam que a definição de direção social está sendo
concebida pela busca de um referencial teórico. Entretanto, é preciso
analisar criticamente estes posicionamentos, pois a universidade como um
todo, assim como o curso, tem uma unidade de ação que é explicitada na sua
filosofia e proposta pedagógica. Nesta unidade, parece haver um equívoco
sobre o pluralismo, pois considerá-lo relevante não significa a presença de
elementos a mais na filosofia organizacional; significa, outrossim, a
aceitação de discussões de diferentes referenciais teóricos para que haja a
possibilidade de ação consciente.
Nesse sentido, a expressão concreta destes questionamentos em torno de uma
determinada direção para a formação, de acordo com o relato dessa docente,
é algo bastante recente.
"A gente está é fazendo exercícios. Eu digo exercícios no sentido de ir
mostrando: tem que ser assim. Eu afirmo isto, então eu tenho que comprovar
que isto tem unidade. E isto é muito desgastante. Eu acho que isto não é
muito diferente da prática. E, é por isso, que a gente tem que estar cada
vez mais qualificado para este embate. Eu tenho que ter consciência. Se eu
entendo que esse é o encaminhamento adequado, eu tenho que ter
argumentação, sustentação suficiente para mostrar isto e para qualificar a
discussão" (extrato de entrevista)13.
"Tu não podes abdicar. tu podes até saber que o teu projeto não tem
hegemonia, mas tu não podes perdê-lo de vista. Eu acho que isso é
lamentável, porque é uma prática solitária, eu acho que ela é frustrante e
desgastante" (extrato de entrevista)13.
Outro aspecto, associado ao da busca da unidade e apontado pelos docentes,
diz respeito à necessidade de imprimir a esta discussão um caráter de
articulação e troca com as demais unidades de ensino e entre universidades,
tendo em vista que, todas elas, de modo geral, convivem com as questões
postas, anteriormente, mas que têm como característica o trabalho isolado.
(totalidade/ fragmentação)
"Acho que a gente faz pouquíssima interlocução com as outras universidades,
a gente não faz este intercâmbio, não faz essa oxigenação, nem que seja
para dizer: olha, nós não pensamos como vocês" (extrato de entrevista)13.
Com relação ao pluralismo, fica explicitado o entendimento de que é uma
forma de convivência entre diferentes visões de mundo e concepções
teóricas, sendo que esta convivência está assegurada pela adoção de um
posicionamento de respeito às divergências. Uma docente reconstrói a
história do Serviço Social no Brasil, indicando que o próprio nascimento da
profissão foi realizado tendo como base o pluralismo:
"O Serviço Social, no Brasil, nasceu com uma visão cristã de homem. Então
era uma visão, inicialmente, unitária da profissão. E ela foi sendo
influenciada, aos poucos, por outras visões. Dentro da própria Igreja houve
uma mudança na década de 60, pelo Concílio Vaticano II, que a própria
Igreja se abriu para outras visões de homem e de mundo. Começou a ser
introduzido, pela própria Igreja, o marxismo, através da ação católica, e
depois, indo para a Teoria da Libertação. Acho que nós nascemos dentro de
uma visão pluralista (de junção do marxismo com o cristianismo) e ele foi
se explicitando quando havia oposição quando começou a se radicalizar o
marxismo é que se tornou consciente o fato de que nós tínhamos que ter uma
visão pluralista" (extrato de entrevista)14.
Esse trecho de depoimento encaminha a possibilidade de discussão de cunho
religioso e que implicaria a busca de respostas às questões: Em que
aspectos o cristianismo se aproxima do marxismo? Como compatibilizar idéias
monistas com dualistas?
Outra docente aponta para a necessidade de repensar esse pluralismo a
partir das noções de complexidade e contraditoriedade, pois é a partir
delas que será possível conviver e transitar neste contexto plural. Para
tornar viável este trânsito, os docentes apontam três exigências:
habilidade, capacidade e exercício permanente. E ressaltam que:
"O pluralismo já não é algo tão assustador, mas penso que a gente não
atingiu a sua plenitude, que é o debate entre diferentes posições, um
debate consistente, sólido e que tenha uma direção" (extrato de
entrevista)12.
"Claro que eu estou entendendo isso com tudo o que a gente sabe da nossa
profissão e que não é imune a isso da hegemonia, de ter um grupo que busca
a hegemonia ... não sou cega a isso, não sou ingênua a isso e até comungo
desse grupo. Então para mim, a gente tem que caminhar e consolidar isso
sem, necessariamente, abrir mão da tua posição ou se furtar do confronto,
necessário, para o aprimoramento e/ou enfraquecimento das posições que
estiverem em jogo" (extrato de entrevista)13.
Dos depoimentos levantados, é possível situar a importância do pluralismo,
no mundo de hoje, como uma tentativa de buscar o posicionamento mais
coerente e capaz de captar essa realidade em que estão expressas novas
demandas oriundas dos fenômenos de globalização da economia, novas relações
de trabalho e, em síntese, da adoção do modelo neo-liberalista.
Da análise crítica e das sínteses das diferentes unidades de ensino e dos
projetos pedagógicos foi possível evidenciar o entendimento acerca das
premissas iniciais deste estudo: a concepção de formação, a direção social
e o pluralismo. Visualizando:
QUADRO 2: SÍNTESE DOS PROJETOS PEDAGÓGICOS DAS UNIDADES DE ENSINO DE
SERVIÇO SOCIAL DO RIO GRANDE DO SUL
UNIDADE PARADIGMA DE REFERÊNCIA PERFIL DE PROFISSIONAL A SER FORMADO
UNIDADE A Aproximação com o paradigma sócio-crítico Perfil assentado na
competência e no compromisso; objetivando formar um "especialista mais
político"
UNIDADE B Aproximação com o paradigma sócio-crítico Perfil de um
profissional competente tecnicamente e inserido na totalidade da vida
social, através do compromisso com a construção de uma sociedade mais justa
e igualitária.
UNIDADE C Privilegia paradigmas oriundos da vertente crítica Perfil
assentado no compromisso e na competência marcado por 3 características:
pensante, crítico e operante.
UNIDADE D Paradigma Humanista tradu-zido pelas premissas da Filosofia
Personalista Perfil a ser construído pelo aluno, a partir de seu
conhecimento pessoal, situa-do historicamente, e permea-do pelo
desenvolvimento de 3 instâncias: do conhecimento, da ação interventiva e da
postura.
Conforme o quadro acima, percebemos que as unidades, no que se refere ao
paradigma de referência, indicam uma aproximação com a vertente crítica,
sendo que apenas a unidade D indica a adoção de um paradigma específico
(humanista). Quanto ao perfil de profissional a ser formado, há uma
convergência pela busca da competência e do compromisso, o que expressa a
necessidade de garantir uma formação teórica consistente e, ao mesmo tempo,
desencadear uma postura que gere comprometimento com a realidade.
Entretanto, nenhum projeto pedagógico indicou as mediações para concretizar
tais propostas, restringindo-se aos aspectos referentes à grade curricular,
à análise da realidade social e a inserção da profissão. Carecem, portanto,
de indicadores metodológicos e revelam, também, nas propostas de ensino, a
contradição entre a teoria e a prática, o que fica evidenciado na
comparação entre propostas pedagógicas e discurso dos sujeitos.
QUADRO 3: SÍNTESE DOS DADOS DA PESQUISA JUNTO AOS DOCENTES
UNIDADE DE ENSINO CONCEPÇÃO DE FORMAÇÃO DIREÇÃO SOCIAL ADOTADA ENTENDIMENTO
DE PLURALISMO
UNIDADE A Um profissional crítico, competente, criativo, pesquisador e
inovador. Pressupõe formar para a cidadania, o mercado de trabalho e o
desenvolvimento profissional. Expressa pelas posições individuais de cada
docente. Visualizado como ecletismo ; introdução de novas idéias pela busca
do diálogo e pela instauração de uma postura pluralista, visando a
ampliação do conhecimento.
UNIDADE B Um profissional crítico e político. Expressa pelo Código de Ética
de 1993 e viabilizada pela adoção do referencial marxista. Postura que
contribui no processo de construção do conhecimento.
UNIDADE C Um cidadão político, crítico e comprometido com a profissão e com
domínio teórico profundo. Expressa pelo Código de Ética de 1993 e
viabilizada pela adoção do referencial marxista. Alternativa de auxílio na
clarificação d e teorias e na discussão a cerca do objeto da profissão.
UNIDADE D Um profissional com conhecimento teórico, operacional e
intervertido, através da instauração de uma competência teórica e
metodológica, sintonizada com a realidade. Pluralista com luta pela
hegemonia de referenciais críticos. Luta pela hegemonia profissional em
busca de uma construção coletiva
Quanto à categoria sobre a concepção de formação profissional adotada pelas
UESS investigadas, percebe-se que há uma convergência na busca por formar
profissionais críticos, competentes, com conhecimento teórico, técnico e
político consistente e com atitude investigativa permanente.
Efetivando-se o contraponto com a premissa acerca dessa categoria, indicada
no primeiro capítulo deste trabalho, e que pressupunha: A formação
profissional é um processo amplo e complexo de preparação científica e
técnica de profissionais, objetivando inserção no mercado de trabalho,
capacidade de dar respostas às demandas sociais, incentivo à produção do
conhecimento e articulação com o projeto da categoria profissional.
Portanto, a formação, em uma perspectiva pluralista, busca a garantia da
qualificação bem como a instauração de uma competência técnico-política,
podemos indicar que esta premissa foi confirmada. Foi evidenciado que em
relação ao mercado de trabalho foi dada pouca ênfase pelas unidades de
ensino, o que pode ter emergido pelo entendimento de que:
"A consideração do mercado de trabalho como uma mediação do exercício
profissional deve-se juntar à discussão sobre a direção social da prática.
Se o mercado sinaliza tendências que indicam as respostas institucionais
dadas à questão social, ele também expressa as tensões oriundas das
exigências das classes. Nestes termos, no mercado de trabalho não se
encerram as possibilidades de redirecionamento da ação profissional e da
formação. É necessário um distanciamento crítico deste mercado de trabalho
para apreender o movimento mais amplo da sociedade, posto que é o ritmo e a
dinâmica do movimento das classes e a definição de propósitos profissionais
que formam o conteúdo da direção social da formação" (ABESS, 1995: 31-32).
Quanto à categoria sobre a direção social, os dados revelaram posições
antagônicas por parte das UESS, pois uma unidade indicou a inexistência de
direção social, uma indicou o pluralismo como expressão da direção social e
duas apontaram o Código de Ética, fundamentado pelo marxismo, como sendo a
direção social assumida. Realizando o contraponto com nossa premissa, a
respeito desta categoria que dizia: A definição da direção social da
formação profissional tem sido apontada pelos diversos posicionamentos
assumidos pelas escolas e pela indicação de que este direcionamento está
intimamente relacionado às visões/concepções que peculiarizam o confronto
entre as múltiplas forças presentes no interior da profissão, concluímos
que foi confirmada à medida que expressa a presença conflituosa de
diferentes posições nas UESS pesquisadas, o que encaminha para a
necessidade de clarificar estes posicionamentos e buscar estratégias que
garantam a definição da direção social dos cursos de Serviço Social,
vendo-a como concretizadora da formação que se pretende instaurar nas UESS.
No que se refere à categoria pluralismo foi evidenciado um entendimento
como uma contribuição no processo de conhecimento, alicerçada na busca por
conhecimentos totalizantes, abrangentes e diversos, levando em conta a
crescente complexidade do real e a necessidade de um conhecimento plural.
Outro aspecto, apontado pela pesquisa, é a crença de que o pluralismo só
será alcançado a medida que for instaurada um posicionamento pluralista que
conceba a profissão a partir das suas múltiplas inserções no real. Apenas
uma unidade evidenciou confusões entre pluralismo e ecletismo, vendo-os
como equivalentes. As demais unidades indicam que a interlocução entre as
diferentes posições deverá ser feita a partir de um claro posicionamento,
capaz de gerar debates consistentes e argumentativos. No que se refere à
formação, mostram que o pluralismo será instaurado como um posicionamento e
será explicitado pela direção social de cada UESS, visando à concretização
de uma unidade curricular que impeça o ecletismo na formação. Assim, também
foi confirmada a premissa central e inicial de que dizia ser o pluralismo:
Uma organização complexa do processo de formação profissional, estabelecida
pela interação entre os saberes e posicionamentos antagônicos,
complementares e concorrentes (uno/múltiplo, uno/diverso) permeada pela
necessidade de atingir uma unidade (uno-complexo).
Diante dessas constatações, identificamos a pertinência de vincular o
processo de formação com as idéias do pensamento complexo. Esta constatação
decorre da análise crítica dos dados levantados, à luz do referencial
teórico explicitado, junto às UESS do RS, que permitiram visualizar
fragilidades, contradições, mediações e tensões no seio de cada uma delas.
Ficou evidenciada a dificuldade em formar profissionais com capacidade
teórica e operativa, por parte das UESS investigadas, embora todas elas
objetivem através de seus projetos pedagógicos, a formação de um
profissional com ambas as capacidades. Esta dificuldade pode ser entendida
a partir da própria estrutura do ensino que tem se caracterizado como
simplificadora e reducionista, até mesmo ao abordar questões complexas da
realidade. A nova proposta de currículo, aprovada pela ABESS, demonstra uma
preocupação significativa com relação à dicotomia entre teoria e prática e
aponta como alternativa a concretização do eixo História, Teoria e Método.
Entende a ABESS que, com este eixo, estará evitando o trato isolado de
elementos que são complexos e multifacetários. Para EDGAR MORIN, esta
dicotomia é fruto de uma apropriação inadequada do conhecimento, pois:
"Se é verdade que, na nossa época, tudo está em crise, a crise não concerne
menos profundamente os princípios e estruturas do nosso conhecimento, que
nos impedem de perceber e conceber a complexidade do real, isto é, também a
complexidade de nossa época e a complexidade do problema do conhecimento"
(MORIN, 1986:221).
Assim, constitui o desafio das UESS a reflexão sobre o conhecimento do
conhecimento (MORIN, 1986), na tentativa de tradução e construção que
articule concepções, contradições e mediações que interagem em cada unidade
de ensino, tendo em vista o movimento interativo de ordem e desordem para
gerar nova organização. Pressupõe o entendimento de que a realidade de cada
UESS é complexa, uno/diversa e uno/múltipla e que necessita ser construída
e organizada a partir de suas tensões, contradições (entropia) e de suas
mediações psicossociais, ideológicas e políticas na busca de uma
organização complexa (neguentropia).
Para MORIN (1980) as contradições podem significar a descoberta de uma
dimensão oculta da realidade e o anúncio de um progresso novo do
conhecimento. Significam, ainda, que a complexidade do real excede a nossa
capacidade de apreendê-lo, na sua totalidade, pois permitem a compreensão
dos limites do conhecimento. Ao compreendê-los, estaremos caminhando para o
conhecimento complexo, já que as contradições: "Podem tornar-se detectoras
de camadas profundas do real. Constituem, então, já não a detectação do
erro e do falso, mas o indício e o anúncio do verdadeiro" (MORIN,
1980:358).
Da síntese dessa desconstrução/construção, impõe-se a necessidade de pensar
o processo educativo que permeia os cursos de Serviço Social, também sob
uma perspectiva complexa, capaz de compreender e viver as diversas
dimensões e os múltiplos aspectos que se expressam no interior das
instituições de ensino. Implica certezas e incertezas no processo
auto-eco-organizador dos sujeitos envolvidos nesta proposta e rompimento
com orientações paradigmáticas reducionistas e dogmáticas.
Outro aspecto fundamental refere-se ao próprio currículo que, no Serviço
Social, tem se caracterizado como fragmentado, quantitativo e reduzido a
uma grade curricular. A ausência de diálogo entre diferentes saberes,
estabelece uma formação carente de integração, desafios e
complementaridade. Nesta direção, há necessidade de estabelecer relações
entre as partes e o todo, em uma perspectiva de movimento circular
ascendente entre parte-todo, garantindo o movimento presente nesta relação
(MORIN, 1977). O estabelecimento deste movimento impedirá a instauração do
pensamento linear e reducionista que tem se feito presente no processo de
formação profissional no Serviço Social.
A garantia das idéias morinianas pressupõe a definição do papel de cada
UESS e, também, da definição consistente de formação profissional adotada
por elas.
Implica promover mudança de mentalidade e de concepção de mundo, vendo-o na
sua multidimensionalidade, sob uma perspectiva interdisciplinar:
"Nesse contexto, sempre devem ser refletidas e ampliadas as discussões
acerca da importância das relações entre conteúdos de uma disciplina e
outra disciplina; entre as disciplinas e o curso, entre as disciplinas e a
vida, e assim sucessivamente, a fim de não se estimular a elaboração de
conhecimentos parcelados e advindos do pensamento linear, mas promovendo-se
a construção de um saber uno, com visão conjunta e de um todo composto por
muitos aspectos" (PETRAGLIA, 1995: 75).
Esses aspectos, nas UESS pesquisadas, convergem para a peculiaridade da
formação profissional para o Serviço Social, no RS, já que se dá no
interior de universidades privadas. Esta realidade impõe limitações para o
ensino, principalmente, o fato de que estas universidades contratam
professores-horistas, que trabalham em outros locais e que manifestam
dificuldades em estar na universidade, além de seus horários em
sala-de-aula. Esta situação dificulta a participação dos docentes e, por
outro lado, favorece a centralização e o individualismo das decisões sobre
questões referentes ao ensino e concentra o poder que poderia "circular"
pela unidade de ensino.
A pesquisa evidenciou, ainda, a preocupação das unidades com o perfil de
seu alunado. Ficou evidenciado o aumento de alunos com fragilidade teórica
anterior (1º e 2º Grau), de origem econômica pouco favorecida e, na sua
maioria, trabalhadores.
Esse perfil indica mais um desafio a ser pensado pelas UESS, pois a nova
proposta de ensino está assentada na necessidade de rigor e consistência
teórica para o trato da Questão Social e este perfil de aluno encontra
dificuldades significativas para concretizar tal proposta.
Essas evidências, levantadas durante a pesquisa junto às UESS do RS,
indicam que a formação para o Serviço Social também está em crise e cercada
de incertezas. Entretanto, é preciso considerar que a sociedade vive uma
crise planetária o que, para MORIN indica:
"Uma incapacidade de efetuar a grande mutação tecnológica/econômica/social
não se deve apenas à insuficiência de conhecimentos técnicos e econômicos,
mas à própria deficiência do pensamento dominante tecno-econômico. Deve-se
também à debilidade do pensamento político que, após o colapso do marxismo,
é incapaz de praticar um pensamento complexo e de considerar um grande
projeto. Há uma incapacidade de sair da crise do progresso por um outro
progresso, em sair da crise da modernidade por outra coisa que não um pobre
pós-modernismo" (MORIN, 1995: 96-97).
Para o autor, esta crise pode ser enfrentada, concebendo-se a queda das
fronteiras entre as áreas do conhecimento como espaço que permite a
passagem e a troca entre os saberes. Esta possibilidade reside na
reformulação do pensamento através da substituição do pensamento
disjuntivo, redutor e simplista por um pensamento complexo e capaz de
considerar os elementos que o compõem.
Neste estudo, vimos que o pluralismo pode vir a ser uma alternativa para o
início deste trânsito do pensamento simples para o complexo e, também, para
facilitar a incorporação do novo currículo aprovado em 1996. Pode, ainda,
garantir a instauração de condições propícias para os debates, tão
necessários, entre os diferentes projetos que circulam no interior da
profissão, visando à consensualidade provisória na definição dos rumos da
profissão.
Se reportarmo-nos à indagação inicial deste estudo, ou seja, se o
Pluralismo é uma abordagem de Complexidade no Serviço Social, constatamos
que ainda existem questões primordiais a serem encaminhadas para garantia
desta perspectiva na profissão. Entretanto, os depoimentos dos docentes
entrevistados, apontam a importância do pluralismo e a premência da
instauração de um posicionamento pluralista. Neste sentido, recordamos que:
"O problema da complexidade joga-se em várias frentes, vários terrenos. O
pensamento complexo deve preencher várias condições para ser complexo: deve
ligar o objeto ao sujeito e ao seu ambiente; deve considerar o objeto, não
como objeto, mas como sistema-organização levantando os problemas complexos
da organização. Deve respeitar a multidimensionalidade dos seres e das
coisas. Deve trabalhar - dialogar com a incerteza, com o irracionalizável.
Não deve desintegrar o mundo dos fenômenos, mas tentar dar conta dele
mutilando-o o menos possível" (MORIN, 1982: 244)
2.4. Desafios do Novo Projeto de Formação Profissional
Para apreensão das demandas para formação profissional, foi preciso
resgatar aspectos do momento atual. O processo de revisão do currículo
mínimo de Serviço Social, aprovado no ano de 1982, foi desencadeado pela
Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social-ABESS e pelo Centro de
Pesquisa em Serviço Social-CEDEPSS, durante a gestão que compreendeu o
período de 1993-1995 e foi, oficialmente, concluído com a aprovação do novo
currículo, em novembro de 1996.
A construção deste novo currículo esteve alicerçada a partir de uma série
de elementos que configuraram o cenário nacional, no final da década de 80,
que repercutiram diretamente no Serviço Social brasileiro.
Para apreender esta nova configuração, entendemos ser imprescindível a
retomada das discussões empreendidas até o ano de 1996 e contextualizadas
na primeira parte deste trabalho, possibilitando a articulação destas
discussões com a realidade das UESS do RS, por meio da coleta de dados
realizada, bem como indicar a contribuição e importância do Pluralismo.
O início das discussões acerca do novo projeto de formação profissional
estiveram sustentadas nos avanços garantidos e nas dificuldades apontadas
pela efetivação do currículo de 1982; os Códigos de Ética de 1986 e 1993;
os debates oriundos das oficinas de âmbito estadual, regional e nacional
(anexos 3 e 4) promovidas pela Associação Brasileira de Ensino de Serviço
Social (ABESS) e o VIII Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (1995).
Essas discussões estiveram centradas em temáticas que pensavam a direção
social da formação, os eixos fundamentais do currículo, as perspectivas
teórico-metodológicas, o mercado de trabalho e a própria realidade
brasileira.
A instauração destas discussões, entretanto, deve-se, principalmente, ao
processo de renovação do Serviço Social que vem sendo construído há duas
décadas. A renovação desta profissão foi desencadeada pelo incremento da
produção teórica, que passou a ser incorporada à intelectualidade
acadêmica, e do início das primeiras pesquisas na área, aliadas à abertura
de cursos de Pós-Graduação no país. Além disto, a organização política da
categoria, associada às reflexões éticas, oriundas da nova conjuntura
brasileira, ou seja, abertura política e reorganização social, indicaram
que a formação pressupõe estreita articulação com as relações estabelecidas
pelas classes sociais, uma vez que o Serviço Social se encontra situado em
seu interior.
Desse entendimento, surgiram movimentos organizatórios que apontam mudanças
no seu projeto político. São significativas as reformulações realizadas no
Código de Ética de 1986 e, finalmente, no de 1993. Sendo que este último
reafirma o compromisso com os trabalhadores, propõe um projeto de superação
da ordem burguesa e aponta, como mediação desencadeadora deste projeto, o
exercício profissional competente. Esta competência é entendida no âmbito
teórico-prático e ético-político.
Outro aspecto discutido foi a identificação das fragilidades da própria
formação, entre elas: as debilidades teórico-metodológicas; o ecletismo e
as repercussões da crise dos paradigmas. Estas fragilidades podem ser
entendidas pela indefinição do eixo curricular. No currículo de 1982,
vigorava a noção de que a profissão é pensada a partir de disciplinas e/ou
teorias sociais que possibilitam a apreensão da realidade e, por isto, o
eixo curricular passou a ser a Teoria e a Metodologia. Hoje, está claro que
a profissão é fundada no movimento histórico e concreto da realidade social
e, portanto, para captá-la é preciso recorrer a um eixo que estabeleça
nexos explicativos entre a História, a Teoria e o Método. Diante disto,
fica enfatizada a necessidade de analisar a profissão de Serviço Social a
partir da realidade social e dos desafios emergentes.
Para compreensão de tais desafios, situamos o próprio movimento histórico
da sociedade brasileira empreendido durante esta década. Os anos 90 estão
sendo marcados por profundas transformações no processo de produção e
reprodução da vida social. A questão social, centro da profissão, passa a
ser configurada de outra forma, aliada à reforma do Estado e às mudanças na
relação entre o público e o privado. Estas relações marcadas pelo fenômeno
da globalização, caminham "pari passu" com a efervescência de conflitos
étnicos, de gênero, culturais e, também, com o crescimento das organizações
não-governamentais (ONG'S), movimentos sociais que visam à garantia de
atendimento em diversos segmentos da sociedade e, principalmente, com o
agravamento da situação econômica e social de parcelas significativas da
população mundial. Estas contradições, geradas pela nova configuração
social, indicam demandas renovadas para o Serviço Social. Estas demandas
pressupõem, de acordo com a ABESS/CEDEPSS (1995):
- apropriação rigorosa dos fundamentos históricos, teóricos e metodológicos
para apreensão da sociedade brasileira;
- habilitação técnico-operativa do profissional (estratégias, táticas,
instrumentais...);
- domínio "empírico" da realidade, através do acesso às informações
cotidianas, que garanta a interlocução, formulação e proposição de ações
sintonizadas com o cotidiano e possibilitando a antecipação de demandas.
No que se refere à formação, foi estabelecida ampla discussão a partir de
quatro aspectos: a direção social, a realidade social, a intervenção
profissional e os eixos curriculares.
A direção social, entendida como o ideário social, está vinculada ao
projeto de sociedade e da categoria profissional. A discussão deste
aspecto gerou várias polêmicas, pois de um lado havia o entendimento de que
a direção social estaria dada pela defesa do socialismo, da proposta
anticapitalista e sustentada pela supremacia do paradigma
materialista-histórico. De outro lado, havia o entendimento de que a
profissão teria que pensar seu projeto dentro de seus próprios limites.
"Com muita clareza, temos o entendimento de que nenhuma profissão consegue
propor ou produzir para a sociedade, um projeto. Ela pode ser protagonista
junto com a sociedade de um projeto, mas, dificilmente, ela tem o poder de
propor um projeto para a sociedade. Ela pode até discutir teoricamente,
sociologicamente e politicamente a existência dos projetos, mas ela não é
um ator, um sujeito privilegiado. Projetos sociais quem constróem são os
sujeitos coletivos" (KOIKE apud ABESS, 1996:16).
Nessa perspectiva, o projeto da categoria profissional está dado pelo
próprio Código de Ética (1993) e será realizado, de acordo com a proposta
da ABESS (1995), a partir da instauração de profissionais competentes para
garanti-lo. Para algumas unidades de ensino, esta competência será
concretizada pela adoção do referencial materialista-histórico e, para
outras, por outros referenciais. A posição do RS compartilha da visão que
entende a direção social a partir do próprio Código de Ética, mas mostrou,
como vimos no item anterior, que sua realização será dada de forma
diferenciada em cada unidade de ensino, conforme os atos de fala dos
entrevistados do presente estudo.
Quanto à realidade social, a partir dos documentos da ABESS/ CEDEPSS (1995
e 1996), viu-se que a leitura da realidade está sendo feita à luz de velhos
paradigmas e/ou de sua apropriação inadequada. Fica evidenciada a
necessidade de fazer re-leituras da questão social, historicizando-a e
percebendo suas novas configurações, principalmente, a partir do mercado de
trabalho e da nova ordem mundial. Isto implica uma atualização
profissional, ampliação das práticas desenvolvidas, até então, e inserção
dos aspectos conjunturais e estruturais na formação.
No que tange à inserção/intervenção do Serviço Social na realidade,
constata-se a ausência de respostas competentes às demandas atuais,
decorrente da: debilidade teórica e operativa; inadequação dos estágios;
falta de integração curricular; subalternidade da profissão na divisão
social do trabalho; condições desfavoráveis de trabalho para docentes, pela
falta de capacitação contínua; escassez de pesquisas na área; perda de
espaços profissionais nas esferas federal e estadual e, por outro lado,
ampliação na esfera municipal em decorrência da municipalização; e pouca
ênfase para a supervisão.
Quanto aos eixos temáticos do currículo, foram apontados pelos documentos
citados, quatro eixos: a Política Social, a Proteção Social, a História e
Fundamentos e a História, Teoria e Metodologia. Com relação aos dois
primeiros, é enfatizado que: "as políticas sociais e a formatação de
padrões de proteção social são desdobramentos e até mesmo respostas - em
geral setorizadas e fragmentadas - às expressões multifacetadas e complexas
da questão social no capitalismo" (ABESS, 1996:12). Salientamos as
contribuições oriundas das produções de COSTA (1994) e FALEIROS (1995) como
tentativas de defesa destes dois eixos. Entretanto, a coletividade,
expressa nas oficinas estaduais, regionais e nacionais, aponta para
elucidação de que é a questão social, através do eixo da História, Teoria e
Metodologia, que explica a inscrição da profissão no cenário brasileiro.
"Balizar-se por tais indicações, corresponde ao reconhecimento de que a
'questão social' apresenta singularidades muito próprias, nas diferentes
realidades deste país. Mas significa também afirmar, sem nenhuma dúvida,
que há elementos indissociáveis que articulam os multifacetados ângulos da
realidade brasileira. Neste sentido, afirma-se ser a 'questão social' o
ponto estruturador da discussão a ser feita pelos e nos currículos de
Serviço Social" (ABESS, 1996:6).
Para complementar tal proposta, são indicados como eixos articuladores: as
relações de classe entre Estado e sociedade civil e as demandas específicas
da realidade social.
Durante a XXIX CONVENÇÃO DA ABESS/CEDEPSS, realizada em Recife, no mês de
novembro de 1995, foram delimitados núcleos de fundamentação que traduzem o
novo projeto de formação profissional. Estes núcleos expressam:
"... núcleos de conhecimento que não se esgotem em si próprios, mas que
contribuem, sob diferentes ângulos e articuladamente, para a elucidação das
particularidades da 'questão social' e do estatuto profissional do Serviço
Social na construção de respostas frente à mesma" (ABESS, 1996:07).
Esses núcleos são:
NÚCLEO 1 - Fundamentação Teórico-Histórica das Configura-ções
Socioeconômicas, Culturais, Políticas e Teóricas do Ser Social que é
responsável pelo tratamento do ser social como totalidade histórica,
fornecendo os componentes fundamentais da vida social que serão
particularizados nos outros dois núcleos. Objetiva a compreensão deste ser
social, a partir do processo de constituição e desenvolvimento da sociedade
burguesa, situando o trabalho como eixo central de reprodução da vida
social;
NÚCLEO 2 - Fundamentos da Particularidade da Formação Sociohistórica da
Sociedade Brasileira Inserida na Divisão Internacional do Trabalho que
trabalha com o conhecimento da constituição econômica, social, política e
cultural da sociedade brasileira, na sua configuração dependente,
urbano-industrial nas diversidades regionais e articulada à particularidade
da história nacional. Objetiva o conhecimento dos padrões de produção,
gestão e organização do trabalho; da constituição de Estado Brasileiro; das
relações estado-sociedade civil; do significado do Serviço Social no seu
caráter contraditório; os diferentes projetos políticos existentes na
sociedade brasileira e a análise conjuntural desta sociedade em articulação
com as manifestações da Questão Social;
NÚCLEO 3: Fundamentação do Trabalho Profissional é responsável pela
compreensão do Serviço Social como uma forma de especialização do trabalho
social, determinado por sua inscrição na divisão sociotécnica do trabalho e
situado no quadro do capitalismo monopolista. Objetiva a especificação dos
processos de trabalho desenvolvidos pelo Assistente Social (objeto, meios,
resultados, conteúdos = seu ethos); a apreensão das matrizes do pensamento
social que influenciaram a profissão, implicando reconstrução, análise da
produção teórico-metodológica do Serviço Social e suas respectivas
práticas.
Para facilitar a compreensão dos Núcleos, em setembro de 1996, a
ABESS/CEDEPSS, enviou novo documento no qual indica para discussão acerca
do Serviço Social e Questão Social; Processo de Trabalho do Serviço
Social; Projeto de Formação do Serviço Social e a Universidade Brasileira.
Quanto ao SERVIÇO SOCIAL E QUESTÃO SOCIAL, esta última é entendida como
eixo central capaz de articular a gênese das seqüelas inerentes ao modo de
produção/reprodução do capitalismo, das mudanças no mundo do trabalho, das
suas manifestações e expressões concretas na realidade social, as
estratégias de seu enfrentamento articuladas pelas classes sociais e o
Estado.
Parte-se da articulação entre a Questão Social e o surgimento do Serviço
Social. Este último, como resposta para o atendimento e tratamento
sistemático da Questão Social e da reprodução social. Portanto, trata-se de
compreender as múltiplas configurações da Questão Social como o OBJETO
DA PROFISSÃO. Esta compreensão será possível a partir de: "Uma atitude
teórico-metodológica plena de historicidade, evitando os impressionismos e
as perplexidades do senso-comum, visualizando demandas renovadas,
complexificadas e transformadas"(ABESS, 1996:16).
Quanto ao O PROCESSO DE TRABALHO DO SERVIÇO SOCIAL é indicado que o
significado sóciohistórico e ideo-político do Serviço Social está inscrito
no conjunto de práticas sociais que são acionadas pelas classes e mediadas
pelo Estado, em face das seqüelas da questão social. A particularidade do
Serviço Social, como especialização do trabalho, inscrito na divisão
sociotécnica do trabalho, está organicamente vinculada às configurações
estruturais e conjunturais da questão social e às formas históricas de seu
enfrentamento, permeadas, ainda, pela tríplice ação dos trabalhadores, do
capital e do Estado. Compreender que a passagem de uma atividade vinculada
às práticas de apostolado, para a de trabalho assalariado, expressa uma
mudança fundamental no significado e no conteúdo do trabalho do Serviço
Social.
"O conteúdo e o caráter social do trabalho do Serviço Social historicamente
esteve associado às exigências de controle e disciplinamento das condições
de reprodução social da força de trabalho no Brasil, alicerçadas sobre
relações de desigualdade e processos de exclusão social" (ABESS, 1996:21).
Para o desvelamento do processo de trabalho do Serviço Social, recorre-se,
assim como nos demais núcleos, ao eixo da História, Teoria e Método.
Portanto, o processo de trabalho da profissão só poderá ser entendido a
partir da discussão de seu objeto, de seus instrumentos de trabalho e de
sua atividade (trabalho), propriamente dita. Aliando-se às discussões
sobre a demanda profissional, suas diferentes configurações, as novas
demandas orientadas pelo permanente movimento histórico desencadeado pela
sociedade brasileira.
Quanto ao PROJETO DE FORMAÇÃO E A UNIVERSIDADE, fica clara a necessidade de
situá-lo no marco das instituições universitárias, na concepção de educação
vigente e nas especificidades e peculiaridades regionais e estaduais das
unidades responsáveis pela formação de assistentes sociais. No caso do Rio
Grande do Sul, evidencia-se:
- inserção de unidades no interior de universidades particulares e de cunho
confessional (católicas, luterana e jesuítica);
- aumento de procura por alunos trabalhadores e oriundos de formação
secundária deficiente e/ou fragilizada;
- dificuldades em conciliar o ensino da teoria e da prática (estágios),
principalmente, nos cursos noturnos;
- carga horária dos docentes reduzida ao tempo em que estão dentro da
sala-de-aula (horistas), levando o docente a procurar outros campos de
trabalho;
- ausência de políticas nacionais para a educação de terceiro grau;
- redução do incentivo à pesquisa e, conseqüentemente, da concessão de
bolsas de financiamento;
- dificuldade em definir a direção social dos cursos;
- dificuldades em realizar interlocuções e/ou aproximações com o mercado de
trabalho;
- necessidade de traçar o perfil do alunado do Serviço Social;
- reflexão acerca do empobrecimento do universo intelectual e cultural dos
alunos que chegam à universidade;
- inabilidade, desinteresse ou ausência de aspirações para com as
atividades acadêmicas;
- busca por instâncias de participação dos alunos em programas acadêmicos
(monitorias, pesquisa, extensão, e outras);
- necessidade de qualificação docente, permanentemente;
- busca por estratégias para realizar interlocuções com profissionais
formados, visualizando sua qualificação e re-inserção no universo
acadêmico;
- necessidade de articulação da graduação e pós-graduação.
Ante essa realidade, em novembro de 1996, no Rio de Janeiro, foi traduzida
a PROPOSTA NACIONAL DE CURRÍCULO MÍNIMO PARA O CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
(anexo 5). Esta proposta, apresentada durante a II Oficina Nacional de
Formação Profissional, legitima as discussões empreendidas pelas regiões
através de oficinas locais, estaduais e regionais, e contém como
pressupostos norteadores a concepção de formação do Serviço Social como uma
profissão interventiva no âmbito da questão social e expressa pelas
contradições do capitalismo monopolista, cuja mediação com a questão social
é realizada pelo conjunto de processos sóciohistóricos e
teórico-metodológicos, com demandas resultantes do agravamento da questão
social, estando:
"processo de trabalho do Serviço Social está permeado pela tríplice ação
dos trabalhadores, do capital e do Estado e expresso através de políticas e
lutas sociais" (ABESS/CEDEPSS, 1996:4-5).
Como PRINCÍPIOS DO NOVO CURRÍCULO são indicados: flexibilidade curricular;
rigor teórico, histórico e metodológico com base na adoção de uma Teoria
Social crítica na busca de superação da fragmentação de conteúdos e das
dimensões de ensino, pesquisa e extensão..
As diretrizes curriculares estão definidas a partir desses princípios e
visam capacitação teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa.
Quanto à composição curricular, a ABESS/CEDEPSS indica como principais
componentes curriculares, a relação de matérias, disciplinas, seminários
temáticos, oficinas/laboratórios e atividades complementares, privilegiando
aspectos referentes a diversas áreas do conhecimento.
Estabelece-se, portanto, uma nova abordagem curricular, expressa a partir
de uma perspectiva de totalidade e historicidade, traduzida em três núcleos
de fundamentos: teórico-metodológicos da vida social; das particularidades
da formação sóciohistórica da sociedade brasileira e do trabalho
profissional.
Esta proposta curricular demanda profundas mudanças no processo de formação
profissional e na estrutura das Unidades de Ensino de Serviço Social. Neste
sentido, salientamos que a complexidade que envolve este processo permitirá
que as UESS instaurem um paradigma educacional que contemple os elementos
de uno/multiplicidade e uno/diversidade, em uma perspectiva de associação
em detrimento de propostas de ensino que, anteriormente, priorizavam a
disjunção e que caminhem para a instauração de uma uno/complexidade.
Entretanto, a realidade traduzida, através da coleta de dados, junto às
Unidades de Ensino de Serviço Social do Rio Grande do Sul e a participação
efetiva nas discussões promovidas pela ABESS sinalizam impedimentos
significativos para a concretização desta proposta.
Dentre eles, podemos sinalizar a própria centralização das discussões em
torno de segmentos minoritários da profissão, ou seja, a discussão deste
novo projeto de formação esteve centralizada na intelectualidade da
profissão, que expressa uma parcela da totalidade desta categoria. E, isto,
não foi diferente nas universidades, uma vez que as discussões foram
monopolizadas por grupos que detêm a hegemonia dos cursos, o que só
garantiu a legitimação de um ideário pré-estabelecido. Esta constatação
fica expressa ao localizarmos nos atos de fala, dos docentes entrevistados,
o desconhecimento dessa proposta e as colocações referentes ao entendimento
individual das categorias estudadas, indicando falta de participação e de
construção coletiva desta proposta nas Unidades do Rio Grande do Sul.
O produto final desta proposta remete para dois caminhos: a legitimação de
um projeto hegemônico e pré-estabelecido, que poderá desembocar em uma
formação uniformizada nos "moldes marxistas", o que consideramos um
retrocesso nas construções teórico - práticas da profissão e uma
contraposição com o pluralismo. Por outro lado, poderá viabilizar uma
efetiva aproximação do Serviço Social com as inúmeras possibilidades que se
descortinam na adoção de referenciais críticos que priorizam a pluralidade
e o desafio da construção. É, nesta última possibilidade, que vislumbramos
a consolidação de uma formação sintonizada com as demandas da realidade
atual.
3. CONTRIBUIÇÃO DO PLURALISMO NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL - UMA PROPOSIÇÃO NA
PERSPECTIVA DE COMPLEXIDADE
Conforme ficou evidenciado nos capítulos anteriores, os desafios para
implantação da nova proposta para formação profissional, aprovada em
novembro de 1996, pela ABESS, estão relacionados com os encaminhamentos
realizados pelas unidades de ensino de Serviço Social, no sentido de
enfrentamento de questões fundamentais, entre elas, a de garantir o
pluralismo.
"O desafio parece ser o da integração do heterogêneo, não mais na
perspectiva da unidade integral, nem da simples somatória, mas no sentido
de transcodificado, com a manutenção das significações originárias embora
transformadas em sínteses peculiares. Uno e múltiplo são os códigos que
estamos construindo para acessar o desconhecido e o indeterminável" (GATTI,
1995:14).
Neste estudo, utilizamos as noções oriundas do Paradigma do Pensamento
Complexo, para encaminharmos reflexões sobre o pluralismo. Além disto,
coletamos, junto a quatro unidades de ensino de Serviço Social do RS,
depoimentos de docentes e extratos de projetos pedagógicos que revelaram a
premência pela garantia do pluralismo e, por outro lado, manifestaram
tensões, contradições e mediações no trato desta questão. Em face desta
constatação e motivada pelo nascimento de uma nova concepção para formação
profissional, aponta-se para a peculiaridade deste momento, possibilitador
de encaminhamentos, discussões e embates, necessários para construção de
propostas coletivas e plurais. Além destas constatações, resgatamos
produções atuais que discutem a temática a cerca do nosso objeto de estudo.
Neste sentido, incorporamos tais produções como apoio teórico para
finalizarmos este trabalho. Com base nestas produções e nos dados
coletados constatamos a necessidade de garantir uma unidade, expressa a
partir do entendimento de que:
"A compreensão de que a idéia da unidade só tem sentido com e pela
diversidade que alimenta a luta pela vivência plural, na direção do
movimento em que a unidade e a multiplicidade se constróem e reconstroem
mutuamente" (GATTI, op.cit.:18)
Nesta desconstrução/construção/reconstrução será fundamental o resgate da
noção de pluralismo como uma alternativa para pensar as contradições da
realidade, na perspectiva de complexidade, considerando elementos
heterogêneos e homogêneos (uno-diversidade e uno-multiplicidade) e buscando
a ampliação das concepções/posicionamentos, por meio da concretização
momentânea e circular ascendente de uma unidade complexa
(uno-complexidade).
A aceitação de diferentes concepções/visões não exclui a importância do
processo hegemônico de luta política, que é expresso no interior das UESS.
Ao contrário, ele é fundamental para ampliação deste debate, para a
reflexão crítica sobre a filosofia educacional e sobre o jogo de forças que
permeia o Serviço Social.
Nesse sentido, expressam-se no interior da profissão uma série de
posicionamentos/divergências no projeto profissional que recaem na luta
pela hegemonia. Esta luta pela hegemonia de posicionamentos e tendências
está explícita, hoje, nos cursos de Serviço Social, ao nível do corpo
docente e discente, revelando-se com clareza nos debates e discussões no
processo de redefinição da formação profissional. Esta luta hegemônica
entra em aparente contradição com a proposta do pluralismo, que tem sido
confundido com o ecletismo, que impede o real entendimento do que seja o
pluralismo e a consciência da impossibilidade da permanência de uma
neutralidade curricular e nas direções dos cursos.
Este estudo indica a necessidade da efetivação de um paradigma educacional
que garanta na atualidade a discussão plural de expressões no interior da
profissão de Serviço Social, apontando fragilidades inerentes ao processo
dialógico sobre a questão do pluralismo (desde o seu contexto até as suas
repercussões na produção acadêmica e na formação profissional).
Nessa perspectiva, enfatiza-se a necessidade de que este debate seja
garantido pela adoção de um posicionamento pluralista em detrimento de
posicionamentos totalitários e inflexíveis, que buscam a consolidação da
"verdade". Na pesquisa realizada junto as UESS do RS, fica evidenciada a
existência de posicionamentos que, em nome da luta pela hegemonia, acabam
sendo autoritários e sectários. Estes posicionamentos, encaminham à
reflexão "Questiona-se aqui o processo político fundamentado na exclusão e
no sectarismo, que freqüentemente carrega no seu bojo, o medo, a
dissimulação, a resistência velada e a revolta" (ZALUAR, apud VELOSO,
1993:56).
Além do sectarismo, entendemos que em nome da "verdade científica", esferas
da vida estão sendo reduzidas à especialização e à fragmentação, sendo que
a separação entre as disciplinas científicas tem construído extratos
parciais do ser humano. Note-se que a efervescência do debate sobre a
instauração da interdiciplinaridade, de acordo com BRAGAGLIA (1996), tem
estimulado a busca pelo resgate da visão multidimensional do homem e da
sociedade, mas com amplas dificuldades de sua garantia nas disciplinas e,
portanto, no Serviço Social.
Diante desta realidade, o pluralismo surge como uma contribuição para o
repensar das concepções vigentes e, na formação profissional, como uma
alternativa concreta de garantir futuros profissionais com capacidade de
romper com o pensamento disjuntivo e redutor que tem caracterizado a
realidade atual.
A busca pela sua garantia, nas unidades de ensino, passa pela necessidade
de repensar os projetos pedagógicos dos cursos, através da identificação
dos elementos que os caracterizam e, também, dos interesses políticos que
estão presentes na sua construção. Fica, subjacente, a necessidade de
descortinar as posições que permeiam este processo, evitando as imposições
teóricas e políticas e buscando um processo educativo comprometido com a
própria história da profissão.
Ficou evidenciado, durante a pesquisa, a existência de projetos
diferenciados para a profissão e a necessidade de debate destes projetos e,
até mesmo, entre as UESS, pois são elas, na sua totalidade, que imprimem a
identidade do Serviço Social no RS. Esta troca entre as unidades tem sido
pouco intensificada, apesar da proposta do novo currículo e das mediações
empreendidas pelo Comitê das Escolas do RS. Entendemos que este Comitê
poderá ter papel fundamental na concretização e garantia permanente de
discussão e troca entre as UESS.
Resgatar o pluralismo como um modo de pensar as contradições do real, a
partir da heterogeneidade de pensamentos e posições, pressupõe a criação e
a garantia de espaços democráticos, nos quais o debate seja um exercício
presente na vida acadêmica de cada unidade.
Quanto ao currículo, entendemos que não basta caracterizá-lo como
pluralista, é preciso significá-lo a partir do próprio projeto profissional
e historicizar os conteúdos como resultantes das produções e apropriações
científicas e, também, práticas do Serviço Social.
Parte-se do pressuposto de que não há um currículo universal, definitivo,
único e insubstituível. O currículo deve pensar e reinventar a realidade,
por meio de uma metodologia alicerçada em convicções filosóficas
refletidas, daí seu caráter de movimento. O currículo é expressão de
recortes epistemológico, conceitual, contextual, histórico e pedagógico. Um
currículo articula opções com a conseqüente demarcação e necessário
dimensionamento do que se tenta analisar, propor, ensinar, aprender,
informar, formar, desconstruir, construir e reconstruir.
"se a educação é um ato político, então o currículo é também, a exemplo da
instituição universitária que o abriga, um campo de combate. Combate
político, em sentido amplo, plural, democrático. Ao ponto de ensejar o
livre curso das idéias, posições e tendências político-culturais e
teórico-metodológicas, permitindo polêmica e a disputa pela hegemonia
quanto à direção social que se deseja imprimir ao curso de Serviço Social"
(SILVA et al., 1993:145).
O conhecimento no Serviço Social se concretiza pela ação de agentes
históricos que constróem para si, para outros profissionais e para a
sociedade em geral, representações sobre o significado da sua prática
profissional. Sendo assim, há que ressaltar a impossibilidade de uma
"ortodoxia" no campo do saber profissional. O que é válido no plano do
saber e da prática emerge do processo de luta interna da própria profissão,
ou seja, da hegemonia.
Isso pressupõe a existência de tendências no interior da profissão,
significando o rompimento com o monopolismo e um avanço que é explicitado
pela manifestação e luta pela construção de uma nova hegemonia: o
pluralismo. Este pluralismo não pode nem ser confundido com liberalismo
(plano político) e nem com ecletismo (plano teórico).
"A unidade na diversidade que se postula no plano da prática deve ser
construída a partir de objetivos comuns, que exprimam a vontade de ver
realizados certos valores (ainda que expressos de forma diferenciada). Há
uma ética a ser construída que exige, desde o início, que as alianças se
façam em cima de certos princípios" (SILVA, op cit,147).
Com base nas evidências deste estudo, é possível afirmar que o pluralismo
nas UESS do Rio Grande do Sul implicará um processo de aprendizagem que
incluirá o entendimento de que:
"Aprender não é apenas reconhecer o que, de maneira virtual, já era
conhecido. Não é apenas transformar o desconhecido em conhecimento. É a
conjunção do reconhecimento e da descoberta. Aprender comporta a união do
conhecido e do desconhecido"(MORIN, 1986:61).
Nesta direção, apontamos elementos indispensáveis para a concretização do
pluralismo:
Elaborado por Ana Lúcia Maciel
A existência destes elementos é indispensável para as Unidades de Ensino de
Serviço Social e demais instâncias que buscam apreender a complexidade da
realidade atual. Neste sentido, ressaltamos que a mudança paradigmática, na
concepção de formação e na definição da direção social dos cursos de
Serviço Social, pressupõe aproximação com referenciais críticos e
inovadores. E esta aproximação será efetiva, a medida que sejam rompidas as
barreiras entre as fronteiras do saber e do próprio ser, na busca pela
consolidação de uma nova ética pautada na mudança de atitude e de
construção do saber. É nessa perspectiva que reside a contribuição e o
desafio do pluralismo.
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A N E X O S
Anexo nº1
ROTEIRO PARA ENTREVISTA
Instrumento de coleta de dados - dissertação mestrado
Procedimento - entrevistas semi-estruturados
Alvo - professores das unidades de ensino
1) Dados de Identificação
Com relação a unidade onde o entrevistado está inserido, apontar:
- Histórico e objetivos da instituição
- ano em que foi inserido na instituição
- função que desempenha
- formação (ano de conclusão, pós, experiência profissional)
2) Questão norteadora: concepção de formação
- qual é a concepção/entendimento de formação profissional adotada pela
unidade em que você está inserido?
- qual é o objetivo desta formação?
- como o corpo desta unidade está inserido e estruturado para atingir estes
objetivos?
3) Questão norteadora: currículo
- como foi implantado o currículo de 1982? quando foi implantado?
- como é dada a unidade curricular nesta unidade?
4) Questão norteadora: Direção social
- qual é a filosofia desta unidade?
- Há uma opção por alguma postura teórica-metodológica? qual? por que? (se
não houver, por que não tem?)
5) Questão norteadora: pluralismo
- qual é o seu entendimento sobre pluralismo? conceitue.
- qual é a repercussão do pluralismo para a formação profissional?
- qual é a importância/contribuição do pluralismo no Serviço Social?
- Em que momento o Serviço Social aponta para a discussão sobre o
pluralismo?
- quais os entraves para concretizar a proposta pluralista?
Anexo nº2
ROTEIRO DE ANÁLISE DE ENTREVISTA
1ª CATEGORIA (CONCEPÇÃO DE FORMAÇÃO)
"O curso pretende que o profissional que saia de lá seja um profissional
critico e que consiga fazer uma leitura da realidade, que consiga
argumentar e fazer esses embates com a prática de 1 forma crítica";
"...a partir da criticidade, o que se pretende é que seja um profissional
então, habilitado, capaz de operacionalizar os seus conhecimentos teóricos
nas questões da prática em que ele se deparar";
2ª CATEGORIA (DIREÇÃO SOCIAL)
"É o materialismo-histórico-dialético, é o que a gente tá querendo definir
como direção social";
"Acho que é uma forma que a gente privilegiou mais, deu motivo para
discussão, até por esse entendimento plural",
"... deve ter acontecido em 1994, essa definição foi uma discussão difícil,
muito difícil, exige assumir posições, exige se expôr. Então foi muito
difícil chegar a essa conclusão, acho que foi um processo de amadurecimento
do grupo".
3ª CATEGORIA (PLURALISMO)
"O pluralismo para mim é uma postura antes de tudo, é uma postura e por
isso exige uma atitude de abertura de novos conhecimentos, de conhecimentos
divergentes aos da gente. Por isso, eu acho que o pluralismo é uma postura
e eu acho que só a partir dessa postura é que se pode realmente ter uma
formação plural"
"... eu acho que essa postura pluralista vai resultar numa postura crítica
em um momento em que eu consigo caminhar pelas diversas correntes teóricas
e nessa caminhada, fazer uma opção realmente adequada com a minha visão e
com a minha proposta profissional..."
"... nós queremos dar ao aluno todos os elementos para que ele possa optar,
ter clareza dessa opção e para isso ele tem que transitar teoricamente, e
até na prática, até ele realmente descobrir a sua postura, sua concepção
teórica e para mim tem que ser por aí, para ser pluralista";
"... não é a radicalização que vai dar conta disso que nós buscamos, eu
acho que isso não é só o Serviço Social que vive; acho que é todo o
movimento. A ciência caminha para isso, de buscar realmente caminhos para
poder entender e dar conta do que está adiante de nós e, é por isso, que a
gente dá tanta importância para o pluralismo".
"Acho que essa é a contribuição fundamental, para buscar nossos rumos para
o Serviço Social, teórica e metodologicamente. Se não, eu acho que não dá,
pois continuamos com práticas radicais e sem apropriação do novo..."
SUBCATEGORIAS:
"o que eu acho que ainda falta alcançar é essa questão da
operacionalização, acho que isso ainda é um nó, é uma questão que para mim
é um encontro com a questão metodológica do Serviço Social. É a busca de
instrumentos, é conseguir operar com os instrumentos, é fazer e também
criar em cima desses instrumentos técnicos de Serviço Social".
"... é claro que se tem assim, toda uma questão, que também é estrutural,
que é a questão do próprio ensino, eu acho que ai tem a coisa de estrutura
dos professores que não tem tempo integral, são horistas, isso é uma
dificuldade muito grande. Alunos que são trabalhadores, que também não tem
o costume de ir para a universidade, participar mais dela, não só a nível
de estudo e pesquisa, mas de discussões";
"... a maior parte dos professores não tem apenas a universidade como
mercado de trabalho, não é só professor e isso dificulta e é um limite
forte para a gente discutir o currículo, o projeto pedagógico".
Anexo nº3
RELATÓRIO FINAL DO II SEMINÁRIO ESTADUAL SOBRE FORMAÇÃO PROFISSIONAL: "UM
NOVO CURRÍCULO PARA O SERVIÇO SOCIAL"
LOCAL: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Data: 04.06.96
COMISSÃO DE RELATORIA:
Assistente Social Ana Lúcia Maciel - ULBRA
Assistente Social Maria Palma Wolf - UNISINOS
PORTO ALEGRE, JULHO DE 1996.
1. COMPOSIÇÃO DE PRESENÇAS POR UNIDADE DE ENSINO
1.1 - PUCRS
6 DOCENTES
6 ALUNOS
1.2 - UCS
2 DOCENTES
1.3 - UCPEL
3 DOCENTES
3 ALUNOS
1.4 - ULBRA
1 DOCENTE
4 ALUNOS
1.5 - UNISINOS
6 DOCENTES
1.6 - CRESS
1 REPRESENTANTE
O primeiro momento deste seminário objetivou retomar as discussões
empreendidas pelas escolas de Serviço Social do RS a partir das diretrizes
propostas pela ABESS, no que se refere ao novo currículo para o Serviço
Social. Neste sentido, cada escola relatou o movimento que vem
desenvolvendo, permanentemente, para garantir a ampla discussão entre os
agentes envolvidos neste processo. Desta discussão, podemos ressaltar
alguns pontos fundamentais levantados por cada uma delas. Abaixo
descrevemos a síntese de cada relato:
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PELOTAS
Realizou oficina em 29/05, com participação de professores e alunos, sendo
que podem ser apontados os seguintes aspectos:
- o documento enviado pela ABESS frusta a expectativa com relação a maior
clareza e objetividade quanto a operacionalidade da proposta;
- é importante clarificar o entendimento sobre a Questão Social,
considerando que esta é colocada como o foco central de formação;
- a proposta da ABESS evidencia alguns desafios:
1. Exigência de formação de uma postura profissional com opção ideológica
definida.
2. Abrangência da proposta que visa concomitantemente a formação de
cientistas sociais, politicólogos e interventores sociais.
3. A necessidade de adequar a proposta à realidade do aluno, em sua maioria
trabalhador.
- esta escola impõe os seguintes questionamentos:
1. Como será o processo de elaboração da grade curricular, para assegurar a
unidade, respeitando a autonomia da escola?
2. Como manter o pluralismo e garantir a direção social?
Deste modo, a UCPEL apresenta as seguintes propostas:
- Agilizar a discussão com vistas a sua conclusão, garantindo uma
operacionalidade da proposta em termos de grade curricular e articulando
História, Teoria e Método; a relação ético-política; teórico-operativa e os
estágios.
- A escola endossa a proposta da UNB (Brasilia-DF) que propõe a formação d
profissionais críticos, comprometidos com os oprimidos e garantindo a
especificidade e autonomia profissional.
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
Realizou oficina em 24/5 com alunos, professores e supervisores, quando
discutiu o documento em sua globalidade, sem detalhar cada um dos eixos
propostos. Foram destacados os seguintes tópicos:
-Existe necessidade de aprofundamento do entendimento da Questão Social
sobre o "locus profissional". A realidade impõe o questionamento do que é
Serviço Social na atualidade e quais são as suas perspectivas;
- Impõe-se que o currículo seja mais dinâmico e não tão estruturado;
- Na leitura da realidade, impõe-se uma postura não reducionista e/ou
economicista;
- O currículo deverá indicar maior articulação e consistência teórica,
configurando melhor as disciplinas complementares; assim com as questões
técnico-operativas e o entendimento da subjetividade do ser social;
- A postura investigativa deverá permear o curso e resultar em sínteses de
TCC, estágio, etc;
- Quanto a Universidade, esta deverá implementar condições para a produção
científica, o acesso a tecnologia, biblioteca e etc. Salienta-se a
necessidade imediata de capacitação docente e de supervisores de campo.
Estes últimos, deverão estar mais próximos da universidade para acompanhar
o movimento relativo ao processo de formação.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
Esta escola realizou suas discussões durante a Semana Acadêmica (maio) e,
como segunda tentativa de aprofundamento, organizou uma comissão de
professores e alunos que levantou os seguintes pontos:
- O documento da ABESS apresenta um grau de complexidade significativa que
dificulta o aprofundamento de se conteúdo;
- Questiona-se o parâmetro teórico proposto, o marxismo, que vem sendo
revisto e criticado. Este, deve ser pensado sem dogmatismo, buscando uma
maior amplitude no tratamento de alguns aspectos, como o da Questão Social
e a do Ser Social, fugindo do economicismo e do estruturalismo;
- É importante retornar e aprofundar o pluralismo na relação com a direção
social assumida no novo currículo.
UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
A ULBRA vem privilegiando, nesta discussão, a questão da revisão de emendas
e conteúdos de disciplinas do curso. Realizou em maio durante a Semana
Acadêmica, um encontro com alunos e professores para repassar as discussões
empreendidas pela ABESS, mas não formalizou sua posição com relação às
mesmas.
UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL
A UCS também não formalizou a discussão do documento da ABESS. No entanto,
vem refletindo sobre a formação profissional e aponta:
- A necessidade de um "norte" para a formação, no caso da UCS, o marxismo,
sem deixar de lado o pluralismo. Os demais paradigmas devem, também, ter
uma leitura crítica da realidade. Assim, obterão espaço no currículo para a
contribuição com relação a práticas reflexivas e não compartimentalizadas;
- O currículo deve contemplar alguns eixos temáticos, quais sejam: análise
explicativa da formação da sociedade brasileira; a questão dos paradigmas;
a historicidade da profissão e sua relação com o Código de Ética e a Lei de
Regulamentação da profissão;
- Os desafios apontam a produção de conhecimento e criação de instrumentos
para a ação. A pesquisa deve perpassar todo o curso, valorizando o
cotidiano e a busca de fontes que apontem para o aprofundamento do
conhecimento da realidade;
- O curso deve incentivar a participação e o engajamento político dos
alunos, buscando a incorporação de uma bagagem sócio-política, podendo
perceber as demandas e estarem articuladas com as práticas da própria
sociedade;
- Quanto a natureza dos estágios, há necessidade de redimensioná-los para
que não se constituam o "locus privilegiado" da prática.
No segundo momento do Seminário, ocorreu a divisão dos participantes em 3
grupos e objetivando a indicação das disciplinas e conteúdos que
traduziriam cada núcleo proposto pela ABESS. Desta dinâmica, os grupos
apontaram as seguintes disciplinas:
NÚCLEO 1:
- Antropologia Cultural e Antropologia Social
- Sociologia (conteúdos: Sociologia Clássica, Teorias Sociais Modernas e
Contemporâneas, Trabalho)
- Filosofia (conteúdos: Ética, Cidadania, Direitos Humanos, Epistemologia e
Filosofia Social)
- Economia Política; Ciência Política; Psicologia e Teorias do
Conhecimento.
NÚCLEO 2:
- História Econômico, Político, Social e Cultural do Brasil, América Latina
e Regional (conteúdo: ênfase na Questão Social e instrumentalizando para
análise de conjuntura e questões atuais)
- Sociologia do Trabalho e do Desenvolvimento
- Política Social
- Formas de Gestão
- Movimentos Sociais
- Direitos Humanos e Cidadania
NÚCLEO 3:
- História do Serviço Social (enquanto Historiografia)
- Pesquisa
- Estágio
- Informática aplicada ao Serviço Social
- Planejamento e Gestão Social
- Estratégicas de Comunicação
- Processamento de Trabalho e Instrumentalidade
ou
- Perspectivas Teórico-Práticas no Serviço Social
ou
- Estratégicas da Ação Profissional
Posteriormente, houve uma nova discussão coletiva, onde ficaram
sintetizados os seguintes elementos a serem contemplados pelo novo
currículo e que configuraram as preocupações das unidades do RS:
- Todas as disciplinas devem ser perpassadas pela Pesquisa, Ética,
Histórica, Política e, também, através do incentivo do espírito de
investigação articulado com práticas de intervenção;
- Evitar a organização do conteúdo do trabalho profissional em disciplinas
com denominação de Teoria e Metodologia;
- Garantir a articulação teórico-prática do curso desde o 1º semestre;
- Resgatar a importância da História do Serviço Social enquanto expressão
do seu próprio movimento e como uma alternativa da profissão em situar-se
na atualidade (desde o seu início até sua síntese "contemponeizada");
- Aproximar o "aspecto prático" das disciplinas teóricas evitando a noção
do estágio como "locus" privilegiado da prática. Ainda com relação ao
estágio, o grupo indicou a fragilidade desta discussão no documento em
análise e do novo perfil do aluno de Serviço Social (trabalhador) que tem
demanda alternativas que as unidades ainda não estão construindo;
- valorizar a pesquisa como facilitadora da compreensão do papel
profissional do Assistente Social.
Anexo nº4
RELATÓRIO DA
V OFICINA REGIONAL DA ABESS
REGIÃO SUL
19 E 20 DE SETEMBRO
UFSC - FLORIANÓPOLIS - SANTA CATARINA
Representantes do Curso de Serviço Social da ULBRA - Canoas - RS
Profª Ana Lúcia Maciel
Profª Mônica Bragaglia
No primeiro dia de encontro as atividades realizadas objetivaram retomar
aspectos discutidos até então com a finalidade de subsidiar as discussões
relativas a grade curricular que, para a região sul, garantiria a
operacionalização da proposta curricular aprovada na oficina nacional
ocorrida em novembro de 1995.
No segundo dia de encontro subdividiram-se grupos com a finalidade de
possibilitar a construção da grade curricular elevando disciplinas para
cada núcleo do currículo, posteriormente socializou-se a discussão entre os
grupos organizando então a proposta da região sul que será levada para a
oficina nacional em novembro de 1996. Essa proposta ficou assim construída:
NÚCLEO 1
EXPLICITAÇÃO E DECIFRAMENTO DO SER SOCIAL
DISCIPLINAS CONTEÚDOS
Teoria Política -Política Social e Teoria do Estado; -Constituição do
Estado Moderno; -Instituições Políticas (Parlamento, Movimento sindical) +
Fundamentos da Política Social; - Sistemas de Proteção Social *Formação,
constituição e trajetória; *Constituição Sócio-Histórica da questão social;
*A conformação das classes Populares, políticas.
Economia Política - Mundo do Trabalho *Lei do Valor; *Acumulação;
*Pauperização; *Modo de Produção; *Processo de Trabalho; *Reprodução
Social.
Filosofia -Grandes matrizes de pensamento (filosófico e epistemológico); -A
discussão da Ética Ocidental.
Sociologia -As grandes teorias explicativas da sociedade - dos clássicos
aos contemporâneos; -Ideologia.
Antropologia -Mundo da Cultura; -Questão de Gênero; -Questão Ética; -O
fenômeno da violência e da exclusão social no cotidiano das classes
subalternas; -A questão da subjetividade; -A discussão do cotidiano; -As
minorias.
NÚCLEO 2
PARTICULARIDADE DA FORMAÇÃO
SÓCIO HISTÓRICO BRASILEIRA
DISCIPLINAS CONTEÚDOS
Política Social -O padrão de proteção social no Brasil; -O surgimento da
Seguridade Social; -Formação, constituição de 1988; -Políticas Sociais de
corte econômico (empresariais, salariais, de financia-mento...); -Cidadania
e Direitos Humanos;
Configuração Sócio Histórica da questão social -Constituição do Capitalismo
no Brasil (industrialização, questão agrária...); -Formação do Estado
Brasileiro (autoritarismo e democracia); -A conformação das classes
sociais; -A cultura política das classes sociais no Brasil.
Formas Organizativas da Sociedade Civil (partidos, sindicatos, movimento
popular organizado, ONGS...) -Movimentos Sociais; -Diferentes estratégicas
de enfrenta-mento da questão social.
NÚCLEO 3
TRABALHO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL
3.1 - COMPREENSÃO DO SERVIÇO SOCIAL COMO CONFIGU-RAÇÃO PARTICULAR DA
DIVISÃO SÓCIO-TÉCNICA DO TRABALHO
- Fundamentos teóricos históricos e metodológicos do Serviço Social no
enfrentamento da questão social:
* Desenvolvimento da questão social nos processos sociais;
* Processo de Trabalho no Serviço Social;
* Serviço Social Tradicional;
* Serviço Social Reconceituado;
* Proposições atuais para o Serviço Social;
* Movimentos Organizativos da categoria;
* Conjunto de ações que inscrevem a profissionalidade e a função social -
desenvolvimento de habilidades técnico operativas (planejamento,
administração, análise institucional, pesquisa...).
- POLÍTICA SOCIAL:
- Análise de Conjuntura;
- Políticas Setoriais:
* legislação específicas;
* arcabouço institucional;
* financiamento;
* processo de gestão/conselhos;
* fóruns de participação;
* planejamento
* administração;
* relação público e privado.
Anexo nº5
ABESS/CEDEPSS
II OFICINA NACIONAL DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL
PROPOSTA NACIONAL DE CURRÍCULO MÍNIMO PARA O CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
Rio de Janeiro
Novembro de 1996
APRESENTAÇÃO
O presente documento a Proposta Nacional de Revisão do Currículo Mínimo
para o Curso de Serviço Social, síntese das produções das Oficinas Locais e
Regionais realizadas durante o ano de 1996.
A XXIX Convenção Nacional da ABESS em Recife, novembro de 1995, aprovou a
Proposta Básica para o Projeto de Formação Profissional contendo os
pressupostos, diretrizes, metas e Núcleos de Fundamentação do novo desenho
curricular proposto. A partir da Proposta Básica deu-se continuidade do
trabalho coletivo de construção do Projeto de Formação Profissional,
através das Oficinas Locais e Regionais, assessoradas pelo grupo de
Consultores, resultando em um segundo documento intitulado "Proposta Básica
para o Projeto de Formação Profissional: Novos Subsídios para o Debate" e
seis documentos que expressam as proposições do conjunto das Unidades de
Ensino.
Com base nesses documentos, a Diretoria da ABESS, com assessoria do grupo
de Consultores e Consultoria Pedagógica, consolidou a Proposta Nacional de
Currículo Mínimo para o Curso de Serviço Social.
A apresentação da proposta nesta II Oficina Nacional de Formação
Profissional objetiva sua apreciação, supressão e acréscimo que enriqueçam
a proposta curricular em suas dimensões nacional e contemporânea.
SUMÁRIO
1. Pressupostos da Formação Profissional
2. Princípios e Diretrizes Curriculares
2.1. Princípios
2.2 Diretrizes Curriculares
3. Nova Lógica Curricular
4. Núcleos de Fundamentação
4.1. Núcleos de Fundamentos Teórico-Metodológicos da Vida Social
4.2. Núcleo de Fundamentos da Formação Sócio-Histórico da Sociedade
Brasileira
4.3. Núcleo de Fundamentos do Trabalho Profissional
5. Matérias
6. Aspectos Formais
7. Bibliografia
1 - PRESSUPOSTOS DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL:
O marco da redefinição do projeto profissional dos anos 80 foi o tratamento
dispensado ao significado social da profissão, enquanto especialização do
trabalho coletivo, inserido na divisão social e técnica do trabalho. Esta
perspectiva salientou fundamentalmente o caráter de historicidade do
Serviço Social, entendendo no quadro das relações sociais entre as classes
e destas com o Estado. Implica pois, em compreender a profissão como um
processo, vale dizer, ela se transforma ao transformarem-se as condições e
as relações nas quais ela se inscreve. Razão pela qual é necessário
contextualizar o significado social da profissão nos anos 90, salientando
as mediações históricas que incidem sobre o perfil da profissão hoje: as
demandas e as respostas às quais é desafiada a construir.
Os anos 90 expressam profundas transformações nos processos de produção e
reprodução da vida social, determinados pela restauração produtiva, pela
reforma do Estado e pelas formas de enfrentamento da questão social,
apontando inclusive, para outras formas de relação entre o público e o
privado, alterando as demandas profissionais.
Esse novo contexto produz inflexões sobre o trabalho do Assistente Social,
também afetado por tais transformações, produto das mudanças na esfera da
divisão sócio-técnica do trabalho, da globalização.
Os pressupostos que norteiam a concepção de formação profissional, são os
seguintes:
1. O Serviço Social se particulariza nas relações sociais de produção e
reprodução da vida social, como uma profissão interventiva no âmbito da
questão social, expressa pelas contradições do desenvolvimento do
capitalismo monopolista.
2. A relação do Serviço Social com a questão social - fundamento básico de
sua existência - é mediatizada por um conjunto de processos
sócio-históricos - culturais e teórico-metodológicos constitutivos de seu
processo de trabalho.
3. O agravamento da questão social em face das particularidades do processo
de restauração produtiva no Brasil, nos marcos da ideologia neoliberal,
determina uma inflexão no campo profissional do Serviço Social, provocada
por novas requisições postas pelo reordenamento do capital e do trabalho,
pela reforma do estado e pelo movimento de organização das classes
trabalhadoras, com amplas repercussões no mercado profissional de trabalho.
4. O processo de trabalho do Serviço Social está vinculado às configurações
estruturais e conjunturais da questão social e às formas históricas de seu
enfrentamento, que são permeadas pela ação dos trabalhadores, do capital e
do Estado, através das políticas sociais e lutas sociais.
2. PRINCÍPIOS E DIRETRIZES CURRICULARES:
O Currículo Mínimo é entendido como um conjunto de diretrizes que
estabelecem uma base comum nacional orientada pelo projeto de formação
profissional, a partir da qual cada Instituição de Ensino Superior elabora
seu Currículo Pleno.
O Currículo Mínimo tem uma função prescritiva, é amplo para possibilitar
adequações locais, e assegura os princípios e marcos essenciais de um
projeto de formação.
2.1 - Princípios:
São Princípios que fundamentam o currículo:
1. Flexibilidade de organização dos currículos plenos, expressa na
possibilidade de definição de disciplinas e/ou outros componentes
curriculares, tais como oficinas, seminários temáticos, atividades
complementares, como forma de favorecer a dinâmica do funcionamento do
currículo;
2. Rigoroso trato teórico, histórico e metodológico da realidade social e
do Serviço Social, que possibilite a compreensão dos problemas e desafios
com os quais o profissional se defronta na vida social e no universo da
produção;
3. Adoção de uma teoria social crítica que possibilite a apreensão da
totalidade social em suas dimensões de universidade, particularidade e
singularidade.
4. Superação da fragmentação de conteúdos na organização curricular,
evitando-se a dispersão e a pulverização de disciplinas e outros
componentes curriculares;
5. Estabelecimento da dimensão investigativa como princípio formativo e
como elemento central da formação profissional, e da relação teoria e
realidade;
6. Padrões de desempenho e qualidade idênticos para cursos diurnos e
noturnos com máximo de quatro horas diárias de atividades nestes últimos;
7. Caráter interdisciplinar nas várias dimensões do projeto de formação
profissional;
8. Indissociabilidade nas dimensões de ensino, pesquisa e extensão;
9. Exercício do pluralismo como elemento próprio da natureza da vida
acadêmica e profissional, impondo-se o necessário debate sobre as várias
tendências teóricas que compõem a produção das ciências humanas e sociais,
em confronto n luta pela direção social;
10. Ética como princípio formativo perpassando à formação curricular.
2.2. - Diretrizes Curriculares:
Estes princípios definem as diretrizes curriculares da formação
profissional, que implicam capacitação teórico-metodológica, ético-política
e técnico-operativa para a:
1. apreensão crítica do processo histórico como totalidade;
2. Investigação sobre a formação histórica e os processos sociais
contemporâneos da sociedade brasileira, no sentido de apreender as
particularidades da constituição e desenvolvimento do capitalismo no país e
do Serviço Social;
3. Apreensão do significado social da profissão desvelando as
possibilidades de ação contidas na realidade;
4. Apreensão das demandas - consolidadas e emergentes - postas ao Serviço
Social via mercado de trabalho, visando formular respostas profissionais
que potenciem o enfrentamento da questão social, considerando as novas
articulações entre público e privado;
5. Efetivação do exercício profissional cumprindo as competências e
atribuições previstas na Legislação Profissional em vigor.
3. NOVA LÓGICA CURRICULAR:
3.1. - Nova Lógica Curricular:
Considerando que um currículo mínimo dever ser a expressão de um Projeto
Profissional, o mesmo necessita estar coadunado com a realidade.
Assim, a formação profissional é a expressão de uma concepção de ensino e
suas relações intrínsecas com a vida social, o que estabelece os parâmetros
para a inserção profissional na realidade sócio-institucional,
historicamente colocadas pelas seqüelas da "questão social" e pela divisão
sócio-técnica do trabalho.
A presente proposta pretende o reconhecimento crítico-analítico do modo de
ser que informa a atividade do sujeito no processo de trabalho. Isto exige
um redimensionamento das formas de pensar/agir dos profissionais diante dos
novos padrões de regulação social, e principalmente, das suas
possibilidades e das respostas dadas.
Esta concepção implica fundamentalmente que o processo de trabalho .somente
pode ser apreendido a partir de um debate teórico-metodológico que permita
o repensar crítico do ideário profissional e, conseqüentemente, da inserção
dos profissionais, recuperando o sujeito que trabalha enquanto indivíduo
social.
Desta maneira propor um currículo hoje é entendê-lo como uma estratégica
diferenciada para além da formalização tradicional de um conjunto de
disciplinas que buscam uma possível articulação.
"Uma compreensão mais abrangente do currículo, entendido este como um meio
articulado e intencional de formação e desenvolvimento de pessoas, nos leva
a pensá-lo como um conjunto de vivências educativas construídas para
facilitar a exposição das novas gerações aos conhecimentos, artes,
artesanais e tecnologias produzidas e em produção nas culturas humanas".
(Gatti: 1995,2)
O Pressuposto central do currículo proposto é de que seja permanente a
construção de conteúdos (teórico-ético, políticos-culturais) para a
intervenção profissional nos processos sociais e, que estes estejam
organizados de forma dinâmica e com mobilidade. Esta concepção pretende, ao
romper com a idéia formal de currículo referendar a dinâmica e mobilidade
enquanto articulação de conteúdos constitutivos da Formação Profissional.
Desta forma, entendemos que a efetivação de um projeto de Formação
Profissional, remete diretamente a um conjunto de conhecimentos
indissociáveis, que se traduzem em NÚCLEOS DE FUNDAMENTAÇÃO constitutivos
da Formação Profissional. São eles:
1 - Núcleo de fundamentos teóricos-metodológicos da vida social;
2 - Núcleo de fundamentos da particularidade da formação sócio-histórica da
sociedade brasileira.
3 - Núcleo de fundamentos do trabalho profissional.
É importante salientar que o primeiro Núcleo, responsável pelo tratamento
do ser social enquanto totalidade histórica, fornece os componentes
fundamentais da vida social e, será particularizado nos outros dois Núcleos
de fundamentação da formação sócio-histórica da sociedade brasileira e do
trabalho profissional.
Portanto, a formação profissional constitui-se de uma totalidade de
conhecimentos que estão expressos nestes três Núcleos, contextualizados
historicamente e manifestos em suas particularidades.
Reconhecendo que estes três Núcleos compõem os conteúdos necessários para a
compreensão do processo de trabalho do assistente social, afirmam-se serem
estes os eixos articuladores da formação profissional.
Estes três núcleos desdobram-se em conteúdos necessários (explicitados em
;áreas de conhecimento e seus respectivos eixos temáticos) que se expressam
no conjunto dos componentes curriculares, rompendo com a visão formalista e
exclusiva de matérias e disciplinas.
Assim, estes conteúdos permitem, através de uma rede de articulação,
garantir uma dinâmica e mobilidade que efetive o conjunto de mediações
necessárias para a Formação Profissional pretendida. Este conjunto de
mediações é aqui entendido como a relação teoria-prática, que permeará
toda a formação profissional, articulando ensino-pesquisa-extensão.
Propõe-se uma inovação curricular, ou seja, uma lógica curricular que
supere a fragmentação, através de formas mais dinâmicas de organização dos
vários componentes curriculares - matérias, disciplinas, núcleos,
seminários, oficinas e laboratórios - que permitam uma intensa convivência
acadêmica entre professores, alunos e sociedade. Este é, ao mesmo tempo, um
desafio político e uma exigência ética: construir um espaço por excelência
do pensar crítico, da dúvida, da investigação e da busca de soluções.
Esta nova estrutura curricular deve refletir nosso momento histórico e
projetar-se para o futuro, abrindo novos caminhos para a construção de
conhecimentos, e manifestar-se como experiência concreta no decorrer da
própria formação profissional. Esta é a grande moldura que proporcionará a
configuração geral do novo currículo.
Em decorrência desta consideração, foi ressaltada a exigência de não se
incorrer no tratamento classificatório dos Núcleos de fundamentação da
formação profissional, quando da indicação de matérias, uma vez que eles
remetem a um conjunto de conhecimentos indissociáveis para a apreensão da
gênese, das manifestações e do enfrentamento da questão social, eixo da
profissão e articulador dos conteúdos da formação profissional.
Os Núcleos mencionados não são autônomos nem subsequentes, expressando, ao
contrário, níveis diferenciados de apreensão e intervenção na realidade.
Isto implica que os conteúdos serão organizados através dos seguintes
COMPONENTES CURRICULARES:
matérias: expressão de áreas de conhecimento necessárias à formação
profissional que se desdobram em: disciplinas, seminários
oficinas/laboratórios, atividades complementares e outros componentes
curriculares.
disciplinas: constitui-se como uma das expressões das áreas de conhecimento
que enfatiza determinado conteúdo priorizando um .conjunto de estudos e
atividades correspondentes a determinada temática, desenvolvida em um
período com uma carga horária pré-fixada.
seminários temáticos: momentos de especificidade e aprofundamento de
temáticas relevantes em diferentes enfoques, visando detalhamento de
abordagens voltadas para a problematização e o estímulo da criatividade.
oficinas/laboratórios: espaços de vivência que permitam o tratamento
operativo de temáticas, instrumentos e técnicas, posturas e atitudes,
utilizando-se de diferentes formas de linguagem.
atividades complementares: conjunto de atividades hoje existentes, mas
ainda, não reconhecidas formalmente nos currículos plenos, Estas atividades
complementares podem ser distribuídas em visitas monitoradas, produção
científica, monitoria, pesquisa e extensão, participação em encontros,
seminários, congressos e, disciplinas não previstas no currículo pleno.
Assim, o currículo mínimo que se apresenta deve ser recolocado em sua
estrutura, de maneira que os currículos plenos possam ter um espaço para
apresentar suas construções particulares, locais e regionais.
4. NÚCLEOS DE FUNDAMENTAÇÃO
4.1 - Núcleo de Fundamentos Teórico-Metodológicos da Vida Social:
Este Núcleo é responsável pelo tratamento do ser social enquanto totalidade
histórica, fornecendo os componentes fundamentais da vida social que serão
particularizados nos Núcleos de fundamentação da realidade brasileira e do
trabalho profissional. Objetiva-se uma compreensão do ser social,
historicamente situado no processo de constituição e desenvolvimento da
sociedade burguesa, apreendida em seus elementos de ruptura e continuidade
frente às sociedades pré-capitalistas em seus componentes essenciais. O
trabalho emerge, assim, como eixo central do processo de reprodução da vida
social, sendo tratado como praxis econômica e que não se separa de outras
esferas, o que implica no desenvolvimento da sociedade, da consciência, da
universalidade e da capacidade de criar valores, escolhas e novas
necessidades, e, como tal, desenvolver a liberdade. A configuração da
sociedade burguesa, nesta perspectiva é tratada em suas especificidades
quanto à divisão social do trabalho, à propriedade privada à divisão de
classes e do saber, em suas relações de exploração e dominação, em suas
formas de alienação, culturais, ético-políticas e ideológicas em seu
movimento contraditório e em seus elementos de superação.
É neste contexto que o conhecimento emerge como uma das expressões do
desenvolvimento da capacidade humana de compreender a realidade. Este
Núcleo é responsável, neste sentido, por explicar o processo de
desenvolvimento do conhecimento do ser social, enfatizando as teorias
modernas e contemporâneas denominadas ciências humanas e a teoria social
marxista, sua base filosófica e seus elementos de complementaridade e
oposição. O tratamento das diferentes filosofias e teorias tem como
perspectiva estabelecer uma compreensão de seus fundamentos e da
articulação de suas categorias, o que supõe eliminar a crítica a priori ou
a negação ideológica das teorias e filosofias, sem o necessário
conhecimento de seus fundamentos.
4.2. Núcleo de Fundamentos da Formação Sócio-Histórica da Sociedade
Brasileira:
Este Núcleo remete ao conhecimento da constituição econômica, social,
política e cultural da sociedade brasileira, na sua configuração
dependente, urbano-industrial, nas diversidades regionais, articulada com a
análise da questão agrária, como um elemento fundamental da particularidade
histórica nacional. Esta análise se direciona para a apreensão dos
movimento que permitiram a consolidação de determinados padrões de
desenvolvimento capitalista no país, bem como os impactos econômicos,
sociais e políticos peculiares à sociedade brasileira, tais como
desigualdades sociais, diferenciação de classe, exclusão social, etc. Para
tanto devem ser objeto de análise:
- O conhecimento de padrões de produção, em seus vários modelos de gestão e
organização do processo de trabalho e todas as suas implicações nas
condições materiais e espirituais da força de trabalho; e, ainda, o
acompanhamento das profundas mudanças dos padrões produtivos e de
acumulação capitalistas, criando uma nova configuração do "mundo do
trabalho".
- A constituição do estado brasileiro, seu caráter, papel, trajetória e as
configurações que ele assume nos diferentes momentos conjunturais, seus
vínculos com as classes e setores sociais em confronto. Trata-se, portanto
de apreender as relações entre Estado e Sociedade, desvelando os mecanismos
econômicos, políticos e institucionais criados, em especial as políticas
sociais tanto no nível de seus objetivos e metas gerais, quanto no nível
das problemáticas setoriais a que se referem.
- O significado do Serviço Social no seu caráter contraditório, expresso no
confronto de classes vigentes na sociedade e presentes nas instituições, o
que remete também à compreensão das dinâmicas organizacionais e
institucionais nas esferas estatais e privadas.
O conhecimento dos diferentes projetos políticos existentes na sociedade
brasileira: seus fundamentos, princípios, análise de sociedade estratégicas
e programáticas.
Estes conteúdos implicam em uma constante e atenta análise conjuntural da
sociedade brasileira, em sua inserção internacional, tendo em vista o
acompanhamento dos processos sociais em curso, geradores das múltiplas
manifestações da questões social. Nesse sentido, indica-se:
- Análise da constituição, trajetória e ação das classes sociais, em seus
conflitos, diferenças, alianças - em suas dimensões econômicas, políticas e
culturais.
- Conhecimento, em profundidade, das classes subalternas - alvo da ação
profissional - reconstruindo sua composição e posição no processo
produtivo; suas condições de vida e de trabalho; suas formas de
manifestação social, cultural, ética e política; suas formas de luta e de
organização; suas aspirações práticas de resistência, contestação ou
subalternização que explicitem seu modo de viver e pensar.
4.3. - Núcleo de Fundamentos do Trabalho Profissional:
O conteúdo deste Núcleo considera a profissionalização do Serviço Social
como uma especialização do trabalho e sua prática como concretização de um
processo de trabalho que tem como objeto as múltiplas expressões da questão
social Tal perspectiva, permite recolocar as dimensões constitutivas do
fazer profissional articuladas aos elementos fundamentais de todo e
qualquer processo de trabalho: o objeto ou matéria prima sobre a qual
incide a ação transformadora; os meios de trabalho - instrumentos,
técnicas e recursos materiais e intelectuais que propiciam uma potenciação
da ação humana sobre o objeto; e a atividade do sujeito direcionada por uma
finalidade, ou seja, o próprio trabalho. Significa, ainda, reconhecer o
produto do trabalho profissional em suas implicações materiais,
ideo-políticas e econômicas. A ação profissional, assim compreendida, exige
considerar as condições e relações sociais historicamente estabelecidas,
que condicionam o trabalho do Assistente Social: os organismos empregadores
(públicos e privados) e usuários dos serviços prestados; os recursos
materiais, humanos e financeiros acionados para a efetivação desse
trabalho, e a articulação do Assistente Social com outros trabalhadores,
como participe do trabalho coletivo.
Compreender as particularidades do Serviço Social como especialização do
trabalho coletivo requer a apreensão do conjunto de características que
demarcam a institucionalização e desenvolvimento da profissão. Isto é,
tanto as determinações sócio-históricas de sua inserção na sociedade
brasileira que perfilam o fazer profissional, quanto pela herança cultural
que vem respaldando as explicações efetivadas pelo Serviço Social sobre as
relações sociais, sobre suas práticas , suas sistematizações e seus
saberes.
Remete, pois, a um entendimento do Serviço Social que tem como solo a
história da sociedade, visto ser dai que emanam as requisições
profissionais, os condicionantes do seu trabalho e as respostas possíveis
formuladas pelo Assistente Social.
É o resgate dessa dupla conjunção - rigor teórico-metodológico e
acompanhamento da dinâmica societária - que permitirá atribuir um novo
estatuto à dimensão interventiva e operativa da profissão.
O reconhecimento do caráter interventivo do Assistente Social, supõe uma
capacitação crítico-analítico que possibilite a construção de seus objetos
de ação em suas particularidades sócio-institucionais para a elaboração
criativa de estratégias de intervenção comprometidas com as proposições
ético-políticas do projeto profissional.
A competência teórico-metodológica, técnico-operativa e ético-política é o
requisito fundamental que permite ao profissional colocar-se diante das
situações com as quais se defronta, permitindo vislumbrar com clareza os
projetos societários seus vínculos de classe, e a posição do Assistente
Social.
Os fundamentos históricos, teóricos e metodológicos são necessários para
apreender a formação cultural do trabalho profissional e, em particular, as
formas de pensar dos Assistentes Sociais. Estas formas de pensar implicam
formas de agir, ou seja, a instrumentalidade da profissão, reconhecendo
seus aspectos tradicionalmente consolidados, mas também buscando novas
formas de ação profissional.
Tal fundamentação e instrumentalidade são os componentes que permitem a
compreensão do cotidiano de vida dos usuários. A postura investigativa é um
suposto para a sistematização teórico e prática do exercício profissional,
assim como para a definição de estratégicas e o instrumental técnico que
potencializam as formas de enfrentamento da desigualdade social. Este
conteúdo da formação profissional está vinculado a realidade social e as
mediações que perpassam o exercício profissional. Tais mediações exigem não
só a postura investigativa mas o estreito vinculo com os modos de
pensar/agir dos profissionais.
Com base na análise do Serviço Social, historicamente construída e
teoricamente fundada, é que se poderá discutir as estratégicas e técnicas
de intervenção a partir quatro questões fundamentais: o que fazer, porque
fazer, como fazer e para que fazer. Não se trata apenas da construção
operacional do fazer, mas, principalmente, da elaboração da dimensão
refletiva do pensar a prática, considerando aquilo que é especifico ao agir
profissional em seu campo de intervenção.
A partir da clareza destas questões constitui-se a dimensão
técnico-operacional, refletindo-se enquanto ação interventiva consciente e
sistemática do sujeito profissional sobre o objeto de sua intervenção,
tendo em vista o alcance dos objetivos propostos.
As estratégicas e técnicas de operacionalização devem estar articuladas aos
referenciais teórico-críticos, buscando trabalhar situações da realidade
como fundamento da intervenção. As situações são dinâmicas e dizem respeito
a relação entre Assistente Social e usuário frente a questões sociais. As
estratégicas são, pois, mediações complexas que implicam articulações entre
as trajetórias pessoais, os ciclos de vida, as condições sociais dos
sujeitos envolvidos para fortalecê-los e contribuir para a solução de seus
problemas/questões.
5. MATÉRIAS
Sociologia: Emergência da sociedade burguesa e a constituição do ser
social; a configuração da sociologia como campo científico; as matrizes
clássicas do pensamento sociológico e o debate contemporâneo.
Ciência Política: Constituição da ciência política como campo cientifico e
a formação do Estado Moderno e da Sociedade Civil. Teoria Política
Clássica. As contribuições da Ciência Política para a análise do Estado
Brasileiro. O debate contemporâneo e as questões da democracia, cidadania,
soberania, autocracia e socialismo. A relação entre o público e o privado.
Economia Política: A constituição da economia política como campo
científico. O Liberalismo, o Keynesianismo, o Neoliberalismo e a Crítica
Marxista da Economia Política. Os projetos societários gestados nos modos
de organização das relações econômico-políticas de produção e reprodução.
As mudanças contemporâneas no padrão de acumulação e suas expressões na
economia brasileira e internacional.
Filosofia: Os fundamentos ontológicos do ser social. A dimensão da
sociabilidade: trabalho e alienação. As formas de consciência: religião,
política, moral, e ciência. O debate atual sobre a ciência. Correntes
filosóficas e sua influência no Serviço Social.
Psicologia: A constituição da psicologia como campo científico. As
principais matrizes teóricas do debate contemporâneo das relações
indivíduo-sociedade. A fundamentação das questões relativas a
subjetividade, grupos sociais e o desenvolvimento da personalidade.
Antropologia: Antropologia cultural e social contemporânea, com ênfase nas
questões sobre indivíduo, identidade, representação social e saber
popular. As expressões regionais multiculturais e as minorias. A formação
da cultura brasileira.
Formação sócio-histórica do Brasil: A herança colonial e a constituição do
Estado Nacional. Emergência e Crise da República Velha. Instauração e
colapso do Estado Novo. Industrialização, urbanização e surgimento de novos
sujeitos políticos. Nacionalismo e desenvolvimentismo e a inserção
dependente no sistema capitalista mundial. A modernização conservadora no
pós-64 e seu ocaso em fins da década de 70. Transição democrática e
neoliberalismo.
Direito: Conhecimento da construção das instituições de direito no Brasil,
bem como das formas de estruturação dos direitos e garantias fundamentais
da cidadania. A organização do Estado, dos poderes e da ordem social. A
constituição Federal e suas interfaces com o Serviço Social. O direito
internacional e suas implicações nas relações de trabalho e de seguridade
social.
Política Social: Fundamentos teóricos da Política Social. A questão social
e o desenvolvimento da política social no Brasil. Formatação e gestão das
Políticas Sociais. A constituição e gestão do fundo público. O papel dos
sujeitos políticos na formulação das Políticas Sociais Públicas e Privadas.
As políticas setoriais e a legislação social. A análise comparada de
políticas sociais. O papel das políticas sociais na constituição da esfera
pública. As novas formas de regulação social e as transformações no mundo
do trabalho.
Desigualdade Social e Acumulação Capitalista: A inserção do Brasil na
divisão internacional do trabalho, a concentração de renda, da propriedade
e do poder e a reprodução da pobreza e da exclusão social nos contextos
urbano e rural. A constituição da democracia, da cidadania e dos direitos
sociais e humanos no Brasil.
Desenvolvimento e Classes Sociais: Desenvolvimento desigual e combinado das
estruturas agrária e industrial e a constituição das classes sociais do
Estado e suas particularidades regionais. A acumulação capitalista e a
dinâmica do mercado de trabalho: subordinação e exclusão do trabalho.
Relações de classe, gênero e étnico-raciais. Movimentos sociais e
estratégias de organização. Cultura, identidade e subjetividade.
Constituição dos sujeitos sociais.
Fundamentos Históricos e Teórico-metodológicos do Serviço Social: análise
da trajetória teórico-prática do Serviço Social no contexto da historia da
realidade social e as influências das matrizes do pensamento social. O
trabalho profissional no processo de produção e reprodução social.
Processo de Trabalho do Serviço Social: O trabalho como elemento fundante
do ser social. Especificidade do trabalho na sociedade burguesa e a
inserção do Serviço Social como especialização do trabalho coletivo. O
trabalho profissional face às mudanças no padrão de acumulação capitalista
e regulação social. Os elementos constitutivos do Processo de Trabalho do
Assistente Social considerando: a análise dos fenômenos e das Políticas
Sociais; o estudo da dinâmica institucional; os elementos
teórico-metodológicos, ético-políticos e técnico-operativos do Serviço
Social na formulação de projetos de intervenção profissional; as demandas
postas ao Serviço Social nos espaços ocupacionais da profissão, nas esferas
pública e privada; e as respostas profissionais e estas demandas. O
assistente social como trabalhador e o produto do seu trabalho.
Supervisão do Processo de Trabalho e Estágio.
Administração e Planejamento em Serviço Social: teorias organizacionais e
gerenciais na organização do trabalho e nas políticas sociais. Planejamento
e gestão de serviços nas áreas sociais nas esferas pública e privada.
Elaboração, coordenação e execução de programas e projetos na área de
Serviço Social. Funções de Administração e Planejamento em órgãos da
Administração pública, empresas e organizações da sociedade civil.
Pesquisa em Serviço Social: Natureza, método e processo de construção de
conhecimento, debate teórico-metodológico. A investigação como dimensão
constitutiva do trabalho do Assistente Social e como subsidio para a
produção do conhecimento sobre processos sociais e reconstrução do objeto
da ação profissional. A elaboração e análise de indicadores
sócio-econômicos.
Ética Profissional: Fundamentos ontológicos-sociais da dimensão ético-moral
da vida social e seus rebatimentos na ética profissional. O processo de
construção de um ethos profissional, o significado de seus valores e as
implicações ético-políticas de seu trabalho. O debate teórico-filosófico
sobre as questões éticas da atualidade. Os Códigos de Ética profissional na
história do Serviço Social brasileiro.
Estágio Supervisionado: é uma atividade curricular obrigatória que se
configura a partir da inserção do aluno no espaço sócio-institucional para
o exercício do processo de trabalho do Assistente Social, o que pressupõe
supervisão sistemática. Esta supervisão será feita no próprio estágio,
desenvolvida pelo profissional através da reflexão, acompanhamento e
sistematização das atividades desenvolvidas pelo aluno, com base em plano
de estágio, elaborado em, conjunto com a Unidade de Ensino tendo como
referência a Lei 8662/93 (Lei de Regulamentação da Profissão) e o Código de
Ética do Assistente Social (1993). Na Universidade, será desenvolvida
obrigatoriamente por um professor supervisor cuja responsabilidade é a de
fomentar e orientar a reflexão teórico-metodológica, ético-política e
técnico-operativa acerca das questões que se colocam no cotidiano do
trabalho profissional.
Trabalho de Conclusão de Curso: o trabalho de conclusão de curso é uma
exigência para obtenção de diploma no curso de graduação em serviço Social.
Deve ser entendido como um momento de síntese e expressão da totalidade da
formação profissional. É o trabalho no qual o aluno produz a sistematização
do seu conhecimento como resultado do processo investigativo, a partir de
uma indagação teórica, preferencialmente gerada pela prática do estágio. É
um processo pedagógico que permite a organização dos conhecimentos
adquiridos e vivenciados durante o estágio no decorrer dos estudos
disciplinares. É um processo de sistematização e quando resultar da ação
profissional, deve apresentar os elementos da prática em seus aspectos
teórico-metodológico-operativos. É também um processo cientifico, porque
realizado dentro de padrões de exigência metodológica e
acadêmico-científica. Portanto o TCC se constitui numa monografia
cientifica ou outras formas de trabalho acadêmico, elaborado sob a
orientação de um professor e defendido perante banca examinadora.
6. ASPECTOS FORMAIS:
6.1. Trabalho de Conclusão de Curso como exigência para expedição do
Diploma. O TCC deve ser entendido como momento de síntese e expressão da
totalidade da formação profissional.
6.2. Duração mínima de 2.700 horas, integralizadas em no mínimo três e no
máximo sete anos, com tempo médio de quatro anos.
6.3. Curso noturno com o mesmo padrão de desempenho e qualidade, com máximo
de quatro horas diárias de atividades acadêmicas.
6.4. Até 5% da carga horária total dos currículos plenos serão destinados a
atividades complementares incluindo monitoria, iniciação científica,
pesquisa, extensão, seminários e outras atividades.
6.5. Prazo de dois anos para cumprimento do novo currículo mínimo.
6.6. Estágio supervisionando como momento privilegiado da relação
teórica-prática, possibilitando contato direto com o "locus" da atuação
profissional. O estágio é a praxis da formação profissional.
7. BIBLIOGRAFIA
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Elaborado por Ana Lúcia Maciel